Uma casa com livros espalhados pela sala, pelos quartos, na cozinha, tomando conta das paredes, chegando ao teto, transbordando pelas janelas. Esse é o sonho delirante de todos os apaixonados por literatura, e por muito tempo foi a realidade quase literal de Marfisa Bortolon, proprietária da Livraria Cultural. “Gosto de dizer que a Cultural nasceu do amor de uma família por livros. Minha mãe sempre gostou muito de ler, meu irmão mais velho era um apaixonado por literatura, ele trabalhava em São Paulo em empresas do ramo como a Editora 34, a Martins Fontes, e aí começou a mandar livros para minha mãe para que ela vendesse aqui em forma de sebo”. Com o passar do tempo, grandes editoras como Companhia das Letras, Madras e Record passaram a enviar livros consignados, e assim a livraria se manteve por 18 anos. Um dos espaços mais tradicionais do gênero em Passo Fundo, sempre lembrado com carinho e admiração pelo público, a livraria montada dentro de uma casa amarela de madeira na rua Independência agora fecha suas portas por conta das dificuldade em se manter em um ramo que, normalmente difícil, ainda vem passando por incertas transformações.
“Em função dessa paixão exclusiva por livros, decidimos focar nisso e nunca investimos em papelaria, e se você observar grande parte das livrarias tem uma papelaria forte que ‘banca’ o restante. No nosso caso, não estamos alcançando o lucro suficiente para se manter no mercado de livros, então resolvemos fechar”. Para Marfisa, o livro digital não atrapalha, mas sim as grandes redes de livrarias virtuais. “O livro digital não vai matar o livro de papel. Ele apenas agrega, mas não substitui. Quem é um leitor nato quer mesmo o papel, e não são só as pessoas mais velhas, tenho muitos clientes jovens que gostam disso e fazem questão de comprar o livro tradicional. Mas acredito que a internet, por sua vez, vem influenciando muito no mercado do livro, vem terminando com as pequenas livrarias pois se torna impossível pra nós concorrer com os sites das megalivrarias”. Apesar de tantos anos dedicados à profissão, ela diz que está tranquila em relação à decisão de encerrar as atividades - o que a toca mesmo é a relação construída ao longo dos anos com clientes que se tornaram verdadeiros amigos. “Essa é a parte mais difícil. Nunca colocamos dinheiro porque tínhamos clientes fiéis, que sempre vinham, sentiam a diferença da Cultural, percebiam que investíamos não nos mais vendidos, mas nos produtos de maior qualidade”, explica Marfisa. “O pessoal sempre vinha, tomava chimarrão, contava suas histórias, falava do trabalho, da vida, da sua própria visão de mundo, e isso criava um vínculo. Por ser uma casa, tornava o clima aconchegante, familiar, então havia essa intimidade. Isso é o que realmente vamos sentir falta, esse contato com todos que agregaram tanto nesses anos todos”, admite a proprietária com apego e saudosismo indisfarçável.
Para todos aqueles que frequentavam a livraria ou mesmo quem possui um título adquirido no disputado balaio da Cultural durante as Feiras do Livro, ainda há a chance de fazer uma última visita: a livraria permanece em funcionamento até o dia 31 de agosto. “O público está começando a vir se despedir, procurar as promoções. A gente baixou todos os preços, os livros novos têm no mínimo 40% de desconto e o sebo também está em liquidação”. A Livraria Cultural fica na rua Independência, 77, e funciona de segunda a sexta das 9h às 12h e das 14h às 19h, e também aos sábados pela manhã.
Uma casa de apaixonados por livros
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