Quatro horas da tarde quente de dezessete de agosto de 2012, em algum ponto da rua Silva Jardim. Solitário em suas vestes da Idade Média, um dos bravos soldados do exército da condessa Matilde de Canossa se posiciona em plena calçada e começa a tocar seu esguio trompete em direção aos carros e às pessoas que passam, como um mensageiro que anuncia solenemente a chegada de algo importante. Observar uma cena como esta é quase como estar com um pé na realidade e o outro em um tempo e espaço diferente, no velho mundo, na era dos reis, num universo distante e também aqui, em Passo Fundo. Pois foi com essa imagem que deu início uma longa peregrinação em busca dos indícios de que o Festival Internacional de Folclore estava mesmo para começar.
Enquanto os italianos lançadores de bandeiras afinavam seus intrumentos, arrumavam os cintos e colocavam as luvas em frente ao Rio Hotel, a algumas quadras dali Argentina e Equador se encontravam na esquina da Fagundes com a Morom, promovendo uma fronteira impossível com as linhas da faixa de segurança. Às vésperas do início do desfile, arrumavam os últimos detalhes com naturalidade, um alinhando a vestimenta do outro, uma arrumando o cabelo da outra, e até as gracinhas típicas de um grupo de jovens: uma menina rouba o chapéu do músico, o provoca colocando na própria cabeça, finge que não irá mais devolver. A essa altura, claro, o público já se acumula em torno deles e assiste a tudo como uma espécie de bônus, o making of ou as cenas extras que só vêm no DVD.
Se é justamente essa a intenção, melhor correr até o Turis Hotel, a duas quadras dali, pois já passa das cinco da tarde e a delegação da China deve estar quase pronta. A distância entre um clima e outro é quase tão grande quanto a real distância entre a América Latina e o gigante asiático. No hall de entrada do hotel, homens de todas as idades vestidos com coletes de pele conversam discretamente, enquanto as chinesas vão descendo aos poucos, meigas e silenciosas, terminando de colocar os brincos e os chapéus. Perto da porta, três ou quatro jovens chinesas tentam enxergar-se no reflexo das vidraças, revelando uma vaidade menos exuberante que a de outros grupos, mas talvez por isso mesmo fascinante. O som e a movimentação lá fora indicam que o desfile já cruzou a Bento Gonçalves e caminha eufórico em direção à Gare. Quase em frente à Catedral, o grupo da Rússia dá um show: enquanto os homens saltam e lutam provocando faíscas com o choque das lâminas, as mulheres russas causam faíscas de admiração em homens e mulheres, deixando claro que este será um festival de muitas musas.
A caminhada é um pouco mais longa até o circo, mas ao atravessar a Sete um lanche os espera. São seis horas e lá atrás do palco há um clima de troca e descontração. Alguns se espalham por sofás e já começam a interagir com outras nacionalidades, enquanto diferentes grupos dividem camarins e espelhos sem se incomodar. No camarim da Bolívia, belas chicas usam os últimos minutos antes da abertura para fazer tranças nos longos cabelos negros umas das outras. O relógio marca 19h15. Dali é possível ouvir o som do público chegando e a vibração que isso provoca não apenas na estrutura montada na Gare, mas por toda a cidade. É o grande dia, a cerimônia de abertura do Festival após quatro anos de ausência. Até os estrangeiros parecem sentir e saber da importância deste momento: está para acontecer um ressurgimento, um retorno triunfal, e eles são os convidados de honra, os protagonistas que darão brilho ao show. É hora de respirar fundo, fazer uma oração (qualquer que seja ela) e entrar no palco pisando com o pé direito. Bom espetáculo!