Quem o vê correndo assim quando um Festival de Folclore está prestes a acontecer, pensa que deve ser desse jeito o ano inteiro. Quem o conhece bem sabe que é exatamente assim. Comprometido com o evento tal qual como num casamento, Paulo Dutra sempre caminha rápido, com ar apressado, uma agenda debaixo do braço e o celular à mão. Parece ter subido as escadas de dois em dois degraus, e em poucos segundos já está posicionado à espera da primeira questão. Mal começa a falar e o telefone toca. Pede licença para atender, responde de forma ágil e pragmática mas, assim que aperta o botão de desligar, o aparelho volta a tocar como se houvesse uma fila de ligações iguais aquela esperando para chamar. Na terceira ou quarta vez, ri do absurdo e desliga o telefone, suspendendo o contato direto com 140 voluntários e mais toda sorte de interessados por cerca de meia hora, mesmo ciente de que, para a maioria destes, falar com ele naquele momento é imprescindível.
Sinônimo de Festival
Porque ele é a cara do Festival. Ainda que delegue funções, quase todas as decisões passam pelo seu crivo, e dentro ou fora do circo, durante aqueles dez dias ou em todos os outros setecentos que separam uma e outra edição, ele é a personificação do evento, um sinônimo de Festival em Passo Fundo. Mais ou menos como Tania Rösing está para as Jornadas Literárias, apesar de ele não admitir sequer o paralelo. “Pra mim não existe comparação, pois a capacidade da Tania, o conhecimento geral que ela tem, não existe nada igual, e vai ser muito difícil encontrar outra pessoa que chegue próximo disso. Acredito que no mesmo nível jamais, pois ela faz e consegue tudo para a Jornada”, elogia ele, talvez humilde ou modesto demais para perceber a semelhança do seu próprio papel à frente do evento folclórico hoje considerado um dos mais expressivos do país.
A rotina de um líder
Apesar das duas décadas de experiência, Paulo ainda não se livrou da tensão nos dias que antecedem a abertura, e muito menos da tradicional correria em função dos imprevistos de última hora. “Bom, às vezes a gente acaba não dormindo, e nem sempre é por nervosismo. Na noite passada, por exemplo, o caminhão da sonorização chegou aqui à meia-noite e na entrada da cidade o motor fundiu. Tive que levantar, ir até lá de madrugada, pela manhã já estávamos atrás de mecânico. Mal dormi”, se diverte o presidente do Cioff estadual, que confessa relaxar um pouco somente após o ato oficial de abertura. “Depois disso a gente até relaxa, mas antes é bastante tenso. Temos a tradição de cumprir horário em todas as atividades do Festival, só que na noite de abertura ainda não pegamos o ritmo, então gera uma ansiedade. Depois que o ator deslancha, finamente dá pra sentar e assistir tranqüilo”, conta Paulo, afirmando que nesse momento deixa seu trabalho nas mãos dos competentes voluntários que treinaram durante meses, e então consegue aproveitar.
E embora seja aquele que mais deveria curtir a realização do evento após tanto trabalho, ele enxerga tudo de uma maneira bem diferente da maioria. “Tem coisas que a gente gosta, mas no momento não consegue se entregar ao que está acontecendo. Porque você tem que ser muito racional, não pode ser só emoção, tem que usar a razão para coordenar 140 pessoas vindas dos mais diversos segmentos da comunidade, cada uma com uma forma de agir e pensar. Ter paciência e discernimento pra poder juntar todas essas diferenças, porque ninguém é igual ali, mas tudo precisa estar em sintonia e seguir na mesma direção”.
Saudade dos que se foram
Mas o que mais mexe com Paulo Dutra a cada nova edição é olhar para trás e lembrar daqueles que não estão mais aqui. “O Festival faz parte da minha vida desde antes de começar. Nós tínhamos o grupo Terra Pampeana, foi através disso que conseguimos os contatos com o Cioff e organizamos a primeira edição, em agosto de 1992”, lembra o presidente. “Então, nessa altura da vida, a gente sente diversas sensações. Uma delas é satisfação de participar de algo assim, mas há também uma sensação de perda, porque nesse caminho muitas pessoas importantes que ajudaram a fundar o Cioff e o Festival já partiram”. Talvez pela primeira vez desde que chegou, Paulo diminui o ritmo das palavras, sorri um pouco como quem deseja esconder alguma outra emoção, e então enumera algumas dessas figuras com um carinho e uma saudade tão verdadeiros que é como se fosse a alma deles a motivação para tanto empenho. “São pessoas que foram muito importantes, como Angélica Weissheimer, Rogério Kurek, Sérgio Gradaschi, Jorge Barbosa, a própria Fátima Trombini, do jornal O Nacional. Não tem como lembrar desse caminho sem lembrar dessas pessoas que tiveram participação decisiva, e sentir um pouco isso”, assume emocionado. “Ainda temos um grupo grande de fundadores que continuam apoiando até hoje, e novas pessoas vem chegando, então a vida é assim mesmo, temos que superar as perdas e seguir em frente”, convence a si mesmo.
2012 vai ser ainda melhor
Depois de arrancar o pouco que Paulo Dutra deixa escapar sobre sua vida e sua visão pessoal, é hora de falar da XI edição do Festival Internacional de Folclore e a comemoração pelos seus 20 anos. De início ele já deixa claro que nada mudou, no máximo melhorou. “Pulamos uma edição em 2010, mas essa retomada foi muito natural, seguiu de onde parou. Passamos dois anos revertendo os problemas que impediram a edição passada, e mais dois anos na preparação deste evento, pois esse é o período normal que necessitamos”. Ainda que ninguém esperasse a interrupção que foi profundamente sentida por toda a comunidade, Paulo afirma que o ânimo não diminuiu. “Seguimos com a mesma vontade e a mesma certeza, isso porque a Administração Municipal assumiu conosco esse problema, o que foi fundamental. No momento em que houve uma falha estadual na questão de lei de incentivo, não tínhamos como arcar com o prejuízo, e então houve a participação do prefeito em conjunto com a Câmara de Vereadores, dando apoio e buscando formas legais de resolver a situação”, recorda Paulo.
O maior gás para lutar pela continuidade do evento, no entanto, foi a manifestação do público. “A gente nota a expectativa da comunidade em receber o Festival após esses quatro anos, e isso dá muito ânimo pois assim percebemos que as pessoas realmente desejam isso, sentiram falta. É um retorno muito prazeroso”, afirma, orgulhoso por saber estar trazendo a esse público um dos melhores festivais de sua história. “Estamos bastante entusiasmados com esta edição, que vai ser maior que a anterior, teremos 15 grupos em comparação aos 12 da última vez, e acredito que vai satisfazer pela qualidade do trabalho que vem por aí”, adianta. “Alguns grupos vão liderar perante a comunidade e encantar mesmo. A programação está muito diversificada, teremos não apenas os grupos amadores como de costume, mas algumas companhias de folclore estatais, como é o caso da Rússia e da China, que prometem surpreender pela alta qualidade, e o mesmo se pode dizer de alguns grupos latinos”, antecipa o coordenador.
Hora de modernizar
Além disso, o evento aproveita a marcante data para se modernizar. Quem passou pela Gare nos últimos dias não viu a tradicional lona colorida, mas sim uma grandiosa estrutura branca com capacidade para 4.500 pessoas. “Essa nova estrutura é de uma emrpesa aqui de Passo Fundo, que mesmo incluindo inúmeros itens alcança um valor menor do que gastamos anteriormente. Isso inclui pavilhão, arquibancadas, palco, camarins, ambulatório, espaço dos patrocinadores, espaço do artesanato, bilheteria, tesouraria, um bar, o plano de combate a incêndio, instalação elétrica, banheiros químicos, ou seja, é um pacote que tornou não só mais acessível, mas também mais seguro”.
Hora de apoiar
Paulo tem pouco do que reclamar. Animado com a resposta do público e com a fluidez dos preparativos para esta edição, ele sente apenas a ausência de mais patrocínio. “Claro que não é tudo um mar de rosas, um dos problemas continua sendo a falta de patrocínio local, pois esperávamos principalmente a manifestação das grandes empresas novas que se instalaram em Passo Fundo nesse período, e que com isso mostrariam interesse pelo povo e pela nossa cultura. Temos a lei de incentivo federal aprovada, onde quem paga imposto não tem gasto nenhum em colaborar. Nosso prazo para captação de recursos segue até o fim do ano, então esperamos que essas empresas percebam a importância do festival durante a sua realização e venham nos ajudar”, pede ele, ao mesmo tempo em que agradece pelo apoio fundamental das empresas que tradicionalmente colaboram com o evento.
O ano do renascimento
Após duas décadas inteiramente dedicadas à paixão pelo festival, Paulo Dutra começa a pensar no futuro do evento daqui pra frente. “Colocamos isso não apenas para os voluntários, mas para toda a comunidade, de coração aberto: precisamos de novos líderes que venham e assumam o festival. Não que estejamos pensando em parar, vamos continuar enquanto pudermos, mas considero a renovação de liderança algo salutar”, sentencia o presidente, confessando que o trabalho não é nada fácil e exige algumas características de liderança, mas também traz muita satisfação. Com o tropeço da última edição, é de se perguntar se a continuidade do festival pode estar ameaçada. Para Paulo Dutra, isso é passado. “Nossa intenção é que o festival continue com a sua trajetória ocorrendo bianualmente conforme estabelecido por lei. Não importa se a Prefeitura é quem vai assumir isso, ou o grupo vai continuar coordenando, ou novas cabeças vão surgir. O que importa é que o Festival não pode parar!”. E que comece a décima primeira edição, um renascimento digno e bem-vindo que promete cumprir o que diz a frase: “é melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores do que permanecer como os pobres de espírito que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota nem a glória de ressurgir dos escombros”. E há algumas coisas, dizem, que ressurgem ainda melhores.
Ele é a cara do Festival - Um perfil de Paulo Dutra
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