Sobre simples & sábios

Revelação literária do estado, Ana Mariano conta os segredos e as dificuldades de se escrever um primeiro romance

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Tudo bem que não existe fórmula precisa para explicar como se escreve um primeiro romance - e Ana Mariano é a primeira a afirmar - mas poucos chegam tão perto disso quanto ela. Com um bate-papo intitulado justamente Como se forma um primeiro romance, a escritora gaúcha que se tornou uma das grandes revelações da literatura sul rio-grandense honrou com a missão na Feira do Livro de Passo Fundo contando a sua própria experiência com o extenso romance Atado de ervas, publicado pela editora L&PM em 2011.
 
Clara e despretensiosa apesar do sucesso que obteve com o livro, que chegou a ser finalista do disputado Prêmio São Paulo de Literatura deste ano, a escritora começou falando um pouco sobre a obra, que compõe um grande mosaico da vida campeira na fronteira do estado tendo como pano de fundo episódios reais que marcaram a história durante o século 20. “Eu queria falar de um tempo, de um lugar e das pessoas que viveram aquilo, e acabei escolhendo o interior de São Borja entre 1929 e 1963”, afirma. “Comecei tarde na literatura, já com 50 anos, na época da morte da minha mãe. Acho que isso influenciou no sentido de passar a ter o desejo de deixar alguma coisa para as próximas gerações, registrar a história da nossa família”, conta a autora que atuou por muitos anos na advocacia, escrevendo poemas no verso dos processos. “Quando comecei os primeiros esboços desse romance, eu os via como pequenos contos, então salvava o que escrevia em uma pasta chamada Possível Romance”, revela, mostrando que os caminhos forma se formando naturalmente, sem grandes decisões iniciais. “Vivi em estância até os 11 anos, não ia para a escola, muito do que aprendi foi ali mesmo, com pessoas humildes, mas com um conhecimento riquíssimo. Quis fazer uma espécie de homenagem aos simples e sábios, a toda essa sabedoria do campo”, observa Ana.

Ao tentar resolver o dilema que dava nome à conversa, explicou logo de cara. “Não há fórmula, pois isso é uma coisa muito pessoal. O que posso dizer é que não há regras, mas há bons truques”, começou. “Minha experiência foi absolutamente caótica, pois eu tinha muitas lembranças, muita coisa para contar. E uma coisa que posso afirmar é: não se intimidem com o fato de ter vivido o que vão transformar em literatura, como se assim não estivessem realmente criando. Em muitos casos, essa é a melhor maneira de escrever ficção”. Por outro lado, ela acredita que a primeira ideia que surge nunca é muito boa, e sempre pode vir outra melhor. “Isso porque a primeira costuma ser a mais óbvia”, lembra a escritora. “Também é preciso escapar dos vícios, das palavras que gostamos de repetir, e isso só se faz errando, relendo, cortando muito”.  Um dos seus melhores conselhos é que o escritor lembre que a história está totalmente clara na própria mente, mas não na do leitor. “É preciso pegá-lo pela mão e levar aonde você quer chegar com calma e paciência”, afirma ela, antes da dica derradeira. “A verdade é que é preciso escrever, escrever muito. Não se pode contar apenas com a inspiração, é preciso trabalhar, se empenhar de verdade. Se tudo que foi escrito em um dia for para o lixo, isso também é importante, também faz parte do romance”. Com propriedade suficiente para ensinar e humildade de sobra para dividir o conhecimento - exatamente como os simples e sábios que buscou homenagear -, Ana Mariano fez uma excelente palestra noturna e enriqueceu a programação da 26ª Feira do Livro de Passo Fundo, que segue até domingo com boas atrações.

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