Manhã de domingo. Entre um passeio e outro, uma passada na Ramires. Em meio a revistas, livros e gibis, o tempo passa. Por entre aquelas prateleiras passou, também, a história. História da literatura. História do jornalismo. História da própria cidade. No fim desse mês um pedaço dessa história se encerra. A Ramires revisteira e livraria encerra as atividades no final do mês e, depois de 51 anos, fecha as suas portas.
Em 1962 surgia na Avenida Brasil um pequeno espaço onde os antigos Diário de Notícias e Revista Cruzeiro, pertencentes à Rede Diário Associados, eram revendidos. Uma novidade para a cidade já que a circulação de jornais compreendia apenas os locais ou da região. Aos poucos, outros nomes foram acrescidos ao estoque: Última Hora, Folha da Manhã, Correio do Povo, O Pasquim. Não foi uma época fácil. A Ditadura Militar estabelecida no país limitava a ação de jornais e revistas e a censura impedia a circulação de muitas dessas publicações. Adriano e Alda Ramires, ainda assim, persistiram.
Ainda que um negócio de família, desde sempre, o espaço na Avenida cresceu, se estruturou em cima da distribuição de materiais da Editora Abril e se consolidou como a principal revisteira da cidade. Em agosto de 1977 Aldrian Ramires, filho do casal, assumiu a revisteira. “Desde o início foi uma família inteira envolvida no projeto”, comenta. Com o fim da censura e a chegada, ainda que lenta, de uma liberdade política, a distribuição aumentou. “Íamos de Constantina a Serafina Corrêa”, conta Aldrian. Ao lado dele, Augusto, um dos três filhos, é o responsável pela administração da empresa.
Com o advento da internet, no entanto, as coisas começaram a mudar. A venda de livros não diminuiu. Pelo contrário. No Brasil, por exemplo, houve um acréscimo de 7,5%. A mudança está na forma de comercialização. Os e-books, ou livros eletrônicos, chegam ao consumidor com um preço muito abaixo do mercado já que o custo para a produção é mínimo. Para a Ramires, não há mais como participar de uma cadeia mercadológica tão intensa e competitiva. “Estamos concorrendo com grandes redes que operam na internet e tem uma estrutura muito mais simplificada, então perdemos a Ramires em função do comércio eletrônico”, lamenta Augusto.
A situação se agrava com a chegada da Amazon no Brasil. A empresa é consolidada no meio online e tem forte atuação no mercado de leitores digitais através da oferta de mecanismos cada vez mais tecnológicos. A previsão é que se intensifiquem as vendas dos livros eletrônicos a baixo custo. Aliado a essa situação está o fato de que as revistas se transformaram em produtos de conveniência. Em mercados, farmácias ou postos de gasolina há, sempre, uma prateleira que disponibiliza uma série de revistas. “O livro está entrando nessa esteira”, comenta Augusto.
Ao fechar as portas, a Ramires fecha um livro marcado não só por história, mas por contribuição na formação dos leitores da cidade. “Quem é de Passo Fundo tem uma história com a revisteira”, destaca Aldrian. “Eu passei por uma geração com pouca informação e, hoje, temos informação em abundância. Mas durante muito tempo as pessoas corriam para a nossa loja para saber o que acontecia no Rio ou em São Paulo”, comenta. De fato, a revisteira é a única representante da Folha de São Paulo e do Estadão, principais jornais do país. “Com muito pesar encerramos uma página da história”.
Aldrian e Augusto unem as vozes em agradecimento. “Nunca estivemos voltados somente para o dinheiro, mas, em prestar um serviço à comunidade e, por isso, agradecemos as milhões de pessoas que passaram pela revisteira e pelas centenas de colaboradores ao longo do tempo”, conclui Aldrian.
Para Passo Fundo é uma grande perda já que além de ser a pioneira no ramo, a Ramires se destacou, ao longo dos anos, pela qualidade e abrangência dos serviços oferecidos. Resta a população, além de lamentar, esperar que outro estabelecimento dedique sua atenção ao ramo, na mesma intensidade que a família Ramires o fez.
Avenida Brasil Oeste, 199. O endereço ficará eternizado. Não em páginas de livros, revistas ou e-books. Se eternizará na memória onde nem o tempo e nem a tecnologia serão capazes de apagar.