Em meados de 79, Renato Russo unia 168 versos em 10 minutos e contava, assim, a trajetória de João de Santo Cristo. Envolvido com tráfico, foi parar na cadeia e decidiu mudar de vida quando conhece Maria Lúcia. O amor pela menina não é suficiente para manter João longe de um mundo onde a luta é pela sobrevivência. Traído, João decide por violência. Morre, ao lado daqueles que o traíram. Por fim, os últimos segundos da melodia revelam que João buscava a capital do país para, ingenuamente, melhorar sua vida.
Faroeste Caboclo foi lançada apenas 8 anos depois. Quando escrita, o Brasil estava em plena Ditadura Militar, recém passados os anos de chumbo, e a crítica social que a música carrega era ameaçadora demais. Ainda assim, torna-la pública em 1987, dois anos depois do fim do militarismo, foi ousado. Tão ousado que a música tornou-se a obra prima da Legião Urbana, o símbolo de uma geração, o ícone do rock brasileiro. Faroeste Caboclo nunca deixou de ser entoada por vozes aleatórias e, por isso, ganhou o cinema.
Independentemente do resultado do longa, os fãs – aqueles que desde 87 roteirizam filmes na própria mente – vão ver em Faroeste Caboclo a concretização de um sonho. Depois de a cinebiografia "Somos Tão Jovens" ser vista por 1,5 milhão de espectadores em menos de um mês, Faroeste Caboclo é, também, uma promessa de sucesso. Dirigido por René Sampaio e estrelado por Isis Valverde – Maria Lúcia - e Fabrício Boliveira – João de Santo Cristo - o longa trata, de forma atual, o tema de tráfico de drogas e conflitos entre classes sociais e, talvez por isso, tenha – assim como a música – uma grande carga política.
João de Santo Cristo não é nenhum herói, pelo contrário: é movido pelo desejo de vingança e pelo ódio que cresce a cada vez que o sistema ou a própria sociedade o faz fracassar. Para a crítica, assemelha-se a Django, anti-herói de Quentin Tarantino. Jeremias, é traficante, mas rico. Rivaliza com Santo Cristo em dois momentos: pelo mercado de drogas e por Maria Lúcia. A tensão entre os personagens é responsável pelos melhores momentos do filme e pela fuga do drama clichê: as cenas entre eles se aproximam, de fato, do gênero faroeste e apostam na crítica social sem didatismos.
É válido lembrar que o filme é uma adaptação: nem tudo que está na música está no filme e vice-versa. Maria Lúcia, que aparece na música apenas na metade, é presença constante no filme. João de Santo Cristo – que “queria falar com o presidente para ajudar toda essa gente” – não tem, no filme, tanto senso social assim. Ainda assim, o filme ganha: ganha pela atuação de Fabrício e Isis que encaram os personagens com intensidade, verdade e radicalismo. Ganha, também, pela fotografia de Gustavo Hadba que dá ao filme um ar antigo e moderno ao mesmo tempo. Ganha pelo ritmo que envolve e ganha pela história que conta.