Simples do início ao fim, Os Bons Serviços é o retrato de uma empregada, de vida modesta, contratada para cuidar dos cães de estimação dos participantes de uma grande festa dada na principal mansão do bairro. A partir do encontro inusitado com um dos ‘grã-finos’ na festa, Francinet, a empregada, se vê envolvida em uma trama surreal e misteriosa. O espetáculo é o responsável pelo encerramento do Primeiro Passo Fundo em Cena e a escolha, ainda que aleatória, não poderia ser melhor.
Dentre todos os espetáculos de comédia, um drama. Entre todos os grupos que apostam no humor ou nas lições, um espetáculo de intimidade. Os Bons Serviços já roda palcos pelo Brasil há mais de um ano, mas, mesmo para quem já viu, a cada novo encontro, novas experiências. “O espetáculo é composto por um banquinho e pelo figurino. É calcado, essencialmente, no trabalho do ator. É um desafio fazer solo porque não há a força e a energia dos colegas. Num espetáculo com mais atores, mesmo quando a gente erra, há uma energia dos colegas. Em Os Bons Serviços há uma troca somente com o público. Eu sinto o público e preciso dosar o que sinto”, explica a atriz Betinha Mânica.
De fato, o espetáculo é desafiador – para quem faz e para quem assiste. É intimista. E todo o trabalho realizado em cena é fruto do encontro da atriz com o diretor Jefferson Bittencourt (diretor entre outros de ‘A Galinha Degolada’, prêmio Palco Giratório 2011) de Florianópolis. O impulso essencial da peça vem do escritor argentino Julio Cortazar. Os resultados são significativos. Em 2012, por exemplo, o espetáculo foi contemplado com o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.
Para Betinha, o espetáculo é a prova de um amadurecimento. “Há, nesse espetáculo, algumas nuances que representam a maturidade do meu trabalho. É desafiador, de fato”, completa. Além da atuação, ela é responsável pelo figurino, adereços e produção. O resultado do trabalho é, em palco, a história de sensibilidade e observação que Francinet apresenta a cada fala. É, sim, um monólogo, mas o diálogo com a plateia se dá na medida em que toda a confissão da personagem tem como foco cada indivíduo do teatro. Não entendendo a situação em que se encontra (sozinha, numa casa de ricos, cercada por cães) ela acaba questionando o próprio público.
Betinha comenta, também, sobre a questão do cenário: segundo ela, não há a intenção de se trabalhar com cães ‘reais’ ou mesmo um grande cenário que possa representar a casa. Tudo, em cena, é fruto da sugestão e da imaginação. Entre falas, gestos e música, público e atriz embarcam, juntos, em um estranho caminho dramático que, ao se transcorrer, questiona, convida, instiga. Não há como pensar ou tentar entender o que se passa em cena, é preciso entregar-se. O trabalho de interpretação de Betinha procura levar o público à dúvidas com o intuito de gerar um misto de compaixão e estranheza com a personagem, à medida que a história avança. Funciona.
O espetáculo acontece na segunda-feira, às 20h. Os ingressos são obtidos mediante troca por um alimento não perecível. Especialmente na segunda-feira, os lugares são limitados, justamente pelo caráter intimista do espetáculo.