Acesse o caderno especial sobre a Jornada. Clique aqui
Eles passaram todos esses anos te dizendo que a literatura era uma coisa boa. Uma coisa saudável, que ia te fazer bem, deixar mais inteligente, mais preparado para a vida adulta. Que era a coisa certa. E talvez você não tenha se sentido tão atraído, tão instigado, tão animado com a ideia. Até porque, falando assim, nem eu me empolgaria. Comer alface também é certo, é saudável, um dia você vê que eles tinham mesmo razão, mas nem por isso dá pulos de alegria quando enxerga um prato de salada na sua frente. Só que a literatura não tem nada a ver com um pé de alface. A literatura pode ter o gosto que você quiser.
Não sei se eles não quiseram contar toda a verdade ou se apenas não explicaram melhor, mas nunca deixaram claro um detalhe: você pode encontrar tudo nos livros. TUDO MESMO. Até o que eles provavelmente não fazem questão que encontre. Todas as experiências com as quais você sonha já foram escritas, das melhores às piores, até as mais proibidas. Ler pode ser divertido, assombroso, alucinante. E você aí, dando voltas e mais voltas com todo esse universo pra desvendar à vontade?
Pelo que vejo você continua sentado, lendo isso com certa desconfiança, em vez de largar tudo e correr para uma biblioteca viver um pouco através dos livros. Não está levando muita fé?
Tudo bem, é compreensível, já que o que estou dizendo é quase contraditório: todo mundo sabe que na literatura nada é proibido. Já viu um livro proibido pra menores de 18 anos? “Não, mas é claro”, algum desavisado pode pensar em responder, “não há nada para proibir nos livros, não há nada de mais neles, que perigo pode ter um maço de papel?”. É verdade que a literatura é a mais livre de todas as artes, de todas as armas, de todos os prazeres, de todas as verdades. É mesmo. Basta compará-la ao cinema: a sétima arte vive sendo tachada por avisos em vermelho e negro, “isso pode, isso não pode”, esse é um mau exemplo, violência tem limite, toda nudez será castigada. Aqueles 24 frames em um segundo de filme podem gerar uma polêmica dos infernos.
Nem mesmo a música escapa. Desde os anos 1980 existe o selo Parental Advisory, um aviso obrigatório fixado em CDs com conteúdo considerado “impróprio”. E o teatro, então? A história de censura é longa, mas ainda hoje causa choque um minuto de nu frontal, um palavrão carregado de cuspe ou um simples cigarro aceso no palco. Melhor nem entrar em outros aspectos como a televisão, os games... E voltar logo para os livros. Eles podem até ter sido alvo de censura ao longo da história, mas sempre foi temporário, fruto de alguma trava ou costume da época. O tempo vence e os livros, uma hora ou outra, se libertam.
Funciona melhor com exemplos
Então, estava dizendo que a literatura é completamente livre pois ninguém jamais vai te impedir de ler um livro. A partir daí você pode deduzir que dela não deve sair nada de interessante para um jovem de 16 anos sedento por tudo aquilo que não pode, que não deve, que os pais não deixam, que a professora não autoriza, que a sociedade não gosta, que Deus não aprova. E é aí que você se engana! Os livros não se resumem e nem nunca se resumiram a auto-ajuda e lição de moral barata. Se não existe assunto impróprio e todas as ações, reações e emoções humanas estão reunidas nas bibliotecas mundo afora, tudo (incluindo o que você pode e não pode) deve estar lá também. Já pensou nisso?
Funciona melhor com exemplos. O maior clássico da literatura beat é basicamente a história de dois “jovens perdidos” atravessando de carro os Estados Unidos atrás de aventura, sexo, música e outras experiências sensoriais duvidosas. O apanhador no campo de centeio, obrigatório nas escolas americanas, fala de um garoto de 17 anos que está de saco cheio de tudo, acabou de ser expulso e resolve sair por aí sem rumo. Foi escrito em 1945, mas mesmo em 2013 aposto que você se identificaria! Assim como Misto Quente, do famoso “velho safado” Charles Bukowski. E por aí vai. Que tal acesso irrestrito ao mundo do sexo? Marquês de Sade é imbatível. Henry Miller e Anaïs Nin, na vida e na obra, foram mestres do erotismo. No Brasil a lista é grande: Nelson Rodrigues, Jorge Amado, Dalton Trevisan... Gosta de filmes de terror? Dos clássicos de Poe ao pop Stephen King, dessas páginas escorre sangue e pavor. Agora, se quer violência pura, ou quem sabe uma dose de ultraviolência, nada se compara ao livro Laranja Mecânica, inspiração para o filme de Kubrick.
Sua rebeldia está começando a aflorar e você se sente vigiado o tempo inteiro? Obras primas de Orwell como A revolução dos bichos e 1984 vão te abrir os olhos para as perturbadoras engrenagens do sistema... e Big Brother nunca mais vai soar nos seus ouvidos como nome de reality de TV. A literatura fantástica de George R. R. Martin, Tolkien e tantos outros é uma viagem à parte. Se o seu negócio é tecnologia, o submundo da internet e dos hackers está no visionário Neuromancer, que inspirou Matrix, enquanto que se não fossem escritores como Philip K. Dick e Asimov dá pra arriscar que todo o gênero de ficção científica no cinema nem existiria. Falando nisso, boa parte das suas séries e games preferidos tem um pé – ou dois – na literatura. Poderia ficar aqui o dia todo, mas minhas linhas estão acabando e você tem mais o que fazer.
Lê o que tu queres... pois é tudo da lei!
Resumindo, ela pode ter muitos sobrenomes, beat, pulp, noir, gonzo, fantástica, erótica, sci-fi, de horror ou do que você quiser. Excitante, intrigante, sangrenta, apavorante, reveladora, explosiva, subversiva, a verdade é que a literatura é bem mais perigosa do que um maço de papel pode parecer. E olha que só citei clássicos e títulos recorrentes nas listas de melhores de todos os tempos. Agora, se você me perguntar como é possível que a literatura seja tudo isso e ainda assim não seja proibida, eu vou tentar explicar dizendo que, quando você transforma a realidade em um romance – ou um poema, ou uma crônica, ou um quadrinho –, as coisas ganham uma nova dimensão e até o que possa haver de mais inaceitável ou repreensível vira arte, conhecimento, cultura e transgressão. Lê o que tu queres pois é tudo da lei!
A essa altura você pode estar achando que isso é algum tipo de psicologia inversa, mas e se for o inverso? E se eles falaram de maneira bem abrangente, simpática e inofensiva para que você jamais desconfiasse? Não, não, vamos ser justos: eles sempre disseram que a literatura era uma coisa legal, não disseram? Só não foram tão específicos. E agora você está aí, com essa cara de quem se tocou que deveria sair correndo em busca do tempo perdido... Aposto fácil: depois desses, em um ano vai estar devorando Cervantes, Victor Hugo, Graciliano e Dostoievski sem nem se dar conta.
E então vai descobrir o quanto a literatura é libertadora. Se o que o jovem mais busca em seus melhores anos é ser livre, nada se compara à liberdade de ler o que quiser e descobrir por sua própria vontade e por seus próprios olhos a verdade do mundo, o segredo do universo, o mistério da vida, mesmo que possa se arrepender por isso... Como disse Thoreau, muitos já iniciaram uma nova era em suas vidas ao ler um livro, e isso sim é perigoso. Está pronto pra mudar sua vida e ir além? Saber de coisas que outros nem imaginam? Estar sempre um passo à frente deles? Cuidado, um livro pode ser letal. Se vai correr esse risco, talvez seja melhor fazer escondido, pois se todos se rebelarem ao mesmo tempo e resolverem te seguir, vai ser o caos. Eles – os adultos afinal – não vão saber o que fazer e... talvez, Deus me livre, se de repente os jovens souberem tudo o que podem encontrar nos livros... os adultos precisem agir e, quem sabe, imagina, sejam obrigados a...! Acho que é melhor você esquecer toda essa conversa.
Curta a página do O Nacional na Jornada para saber tudo o que acontece na 15ª Jornada Nacional de Literatura. Acesse http://on.fb.me/159KbNg
Acesse o Caderno Especial da Jornada Online. Clique aqui