Em um canto, André Vianco sustentava a fachada séria com que chegou à Jornada. Aos poucos, sua fala revelava paixão e um incansável desejo de contar histórias. Do outro lado, uma concentrada Sônia Rodrigues parecia ver a sua tese caminhar de mãos dadas com a fala dos outros dois. No meio deles, Guto Lins, autor e ilustrador, confessou usar do livro, da internet e do que quer mais que fosse para promover o simples toque entre mentes e corpos.
Entre janelas e recortes
Guto Lins, o primeiro a usar o microfone, contou a experiência de produzir um livro que estimula todos os sentidos. Não poderia ser mais transmidiático. Eros e Psiquê é um amontoado de páginas – feitas de forma artesanal – que reúne uma série de desafios e experiências: a capa é impressa individualmente e cada uma traz uma senha que dá acesso a um mundo virtual. Em cada páginas, tarefas – tais quais a de Psiquê na mitologia: cozinhar um bolinho e colocar um recado dentro, entregar mensagens de amor e humor, enfrentar um envelope com uma cobra. O papel parece ganhar vida própria. “O objetivo é fazer os amantes se encontrarem através de possibilidades gráficas. As narrativas e possibilidades que os leitores adquirem fazem que o próprio livro ganhe outras narrativas”, explica Guto Lins. Das páginas, a migração para a internet: lá, o leitor – agora internauta – ganha o poder de imaginar o próprio personagem, o próprio caso, o próprio encontro: “A intenção é que o objeto físico e a plataforma virtual fossem uma porta para fora disso, para que as pessoas se encontrem. O objetivo final é que haja o encontro”, comenta Guto. A experiência de despertar de sentidos, parece despertar para a vida: “É importante buscar mostrar que o encontro com o objeto livro pode acontecer de várias formas. E a partir disso o encontro com o outro também acontece de várias formas”, encerra.
Desbravador de estantes
Quando criança, André Vianco trocava o futebol e os intervalos da escola pelas bibliotecas. Desbravou estantes, encontrou histórias, desejou contar a própria imaginação. Autor de treze livros de terror e o principal representante brasileiro do gênero, Vianco vê, hoje, sua obra ganhar novas plataformas. “O livro se torna um seriado e pode vir a ser um filme. Você tem informações sobre ele em blogs e em sites. O leitor tem o direito e o poder de externar sua opinião em vitrines dentro da internet”, comenta. Para ele, as palavras são uma forma de criar, simplesmente: “Na literatura eu posso tudo. Eu inventei um universo que facilmente poderia virar piada. Ver a minha obra transposta para outras plataformas foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida”, conta.
Realidade? Que realidade?
Sônia Rodrigues é capaz de convencer. Filha de Nelson, o maior dramaturgo brasileiro, parece ter o mesmo gosto pela palavra. Criou dois filhos capazes de passear entre as plataformas; na impossibilidade dos dois estarem no palco de debates, ela veio. Sônia é responsável por uma tese de Doutorado sobre RPG – uma espécie de jogo onde a pessoa assume um personagem e vive um mundo paralelo. Da tese surgiu o jogo, do jogo um livro. “O segredo das narrativas transmidiais está em considerar que a realidade não existe. Acreditar na realidade limita as possibilidades. O que existem são narrativas da realidade de acordo com o que o suporte permite”, comenta. Ela usa do faz faz-de-conta de Emília para explicar: “Estamos imersos em narrativas e quando nos damos conta disso poderemos torna-las transmídiais. Se você sabe que a realidade não existe, o mundo é seu. É como ser Emília: o segredo do faz de conta é simples – se você faz de conta que uma coisa é, ela é; se você faz de conta que uma coisa não é, ela não é”, conclui.