Nenhum movimento se sustenta sem crianças e sem jovens

Tania Rösing, idealizadora das Jornadas Literárias, fala sobre o tema, os recursos e a diferença entre as edições

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O frio, ao longo da semana, foi se despedindo da 15ª Jornada Nacional de Literatura. O Portal das Linguagens, pouco a pouco, parece mais aquecido. O calor - que vem muito mais do sentimento proporcionado pelas palavras e letras das páginas e das vozes do que do clima em si - parece unir pensamentos, aproximar olhares, diminuir as distâncias. O encerramento de uma Jornada é, capaz de, ao mesmo tempo, despertar a tristeza e o entusiasmo. Sim, acabou. Mas logo ela está de volta.

A manhã de sábado foi repleta de declarações da idealizadora das Jornadas. Tania Rösing, em entrevista coletiva, trouxe a vibração de quem acredita no que faz. Sua fala é convicta - sem qualquer resquício de indecisão. O timbre é carregado de amor e de crença: é possível, sim, formar leitores. Tania iniciou sua fala explanando um pouco mais sobre o jovem, foco das discussões desta edição. “O grande acerto dessa Jornada foi o tema Leituras Jovens do Mundo. Focar nos jovens é o grande desafio que temos para chegar a estratégias mais eficientes de formação de leitores”, comentou. Ela colocou, também, que a observação do dia-a-dia da Jornada possibilita compreender o que o jovem necessita e, então, chegar até ele através de quem o cerca: “Tudo o que observamos do comportamento dos jovens nesse dia - do comportamento barulhento e do comportamento silencioso - e da postura nos diferentes espaços nos leva ao entendimento de todos os cuidados que temos que ter na indicação de leituras para quem está ao lado dos jovens - que são os professores e familiares. Nenhum movimento se sustenta sem crianças e sem jovens.”

 Além do cuidado na escolha das leituras, Tania acredita que é preciso investimentos em programas para a formação de leitores, mas que atinjam, também, os professores - tudo para melhor chegar no jovem. “É preciso cutucar - cutucar é a palavra - para o necessário investimento em programas permanentes de formação de leitores atingindo em primeiro lugar os professores nessa perspectiva que envolve educação cultura e tecnologia e fazendo com que eles se apropriem disso”. Para a Tania não basta simplesmente conhecer a tecnologia e as novas plataformas digitais. É preciso interagir e inseri-las no dia-a-dia a fim de explorar novos conteúdos de qualidade. “Não adianta apenas em entrar em contato (com as tecnologias). A palavra de ordem é a apropriar-se das novas modalidades de leitura, dos conteúdos qualificados. Não adianta sermos dominadores de tecnologia sem termos conteúdo qualificado”, explicou. As redes sociais também não escapam: “E é preciso usar as redes sociais também para colocarmos mensagens, posicionamentos mais críticos e com isso fazermos o grande entorno”.

Tanto jovem quanto narrativas midiáticas estiveram no palco, no meio de discussões. Entre sexualidade, afeto, novas plataformas e novas narrativas; nas ruas, nos centros urbanos, na periferia; na palavra, no som, na imagem -  a juventude se encontrou. Cada tema, cada subtema, cada escolha feita para a 15ª Jornada Nacional de Literatura foi pensada. “Nós batalhamos para ter programações especificas para os distintos públicos. O leitor precisa ter uma atenção para os seus interesses específicos. Quando se fala com pessoas que lidam com o financeiro, elas dizem: se não houver dinheiro, cortam-se os shows; se não houver dinheiro, cortam-se autores. As pessoas não se dão conta de que tudo isso é um grande programa que não pode ter nenhuma parte cortada. Ou se faz o todo ou não se faz nada”, esclarece Tania. “ O que entendemos é que quando se faz essa programação séria e complexa, com objetivos definidos, é que temos que batalhar e batalhar  muito para conseguir os recursos”, comenta e aproveita para agradecer patrocinadores e apoiadores que acreditaram, assim como ela, ser possível transformar uma cidade em Capital da Literatura. Quanto àqueles que lhe disseram não, Tania não desanima: “Estamos desafiados a convencê-los numa próxima edição. Eles não fiquem pensando que ficaram livres. Não! Eles será procurados e sensibilizados de todas as formas. Não é possível que num país como o Brasil, com tanta riqueza e dinheiro, hajam prioridades que não sejam a educação e a cultura. Isso eu não posso entender.”

Sobre a dificuldade de conseguir recursos, Tania lembra que a concorrência foi grande e, infelizmente, a Jornada perdeu para o futebol e outras atividades do centro do país. Ainda assim, por mais uma edição, fica comprovado o fato de que há muitas atividades para um espaço reduzido. “Um desafio muito grande é construir um espaço definitivo. Segunda-feira todo esse espaço é desmanchado. Vem o asfalto, o terreno vazio. Nós temos que ter um espaço mais seguro, um espaço que garanta as condições de enfrentar chuva e vento”, comenta. Para ela é chegada a hora de fazer uma grande frente para construir aqui um espaço maior e fixo. “Um espaço que possa acolher não a cada dois anos, mas de segunda a domingo - um centro de formação de educadores e de agentes culturais funcionando de segunda a domingo e também servindo aos eventos. É um grande desafio que se impõe mais do que nunca!”

Ao lado de Tania, Ignacio de Loyola Brandão  senta. Um copo de água a sua frente e olhos repletos de saudade. Entre contos, crônicas e casos de uma Jornada que sentiu extremamente a ausência de Alcione Araújo, Loyola diz se sentir agradecido - pelo público, pelo carinho, pelo clima.  Lembrou do balão, que subiu ao palco; lembrou da acolhida a sua filha, Rita Gullo; lembrou das poesias que a Jornada desperta. “As pessoas não veem aqui por que não tem noção da extensão da Jornada.” Loyola elogiou as mesas e pediu maior participação do público.

Em mais de 30 anos de Jornadas, tanto Tania quanto Loyola percebem que tudo está diferente. “Já passaram três gerações pela Jornada. Desde 2001 passaram crianças que já são estudantes universitários”, comenta Tania. “Houve um aumento no número de inscrições e isso já é um dado sobre o interesse do publico. Eu encontrei muita aluna dos anos 80 cujo o filhos hoje são adolescentes e falaram coisas que ouviram de mim por aqui”, complementa Loyola. Talvez apenas o sentimento de alegria pelo encontro chega, a cada edição, aconteça com a mesma intensidade de trinta anos atrás e, novamente, parece ser como se a Jornada jamais tivesse se despedido. 

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