Sem contraindicação

Coluna - Por Pablo Morenno [email protected]

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Leio em “Inês da Minha Alma”, de Isabel Allende, a surpresa da protagonista ao contar um “congresso” anual de índios mapuche (é assim mesmo, sem plural), no início da conquista do Chile, para celebrar os seus antepassados. Os anciãos juntavam o povo e contavam suas histórias, que eram aprendidas pelos jovens. Ao retornarem às aldeias, pareciam mais felizes e dispostos. Na falta da escrita, a oralidade mantinha os mapuche unidos aos vínculos de povo e família.

Contar histórias para as crianças é unanimidade entre pedagogos e psicólogos, embora se possa contar nos dedos quem o pratique. É muito mais cômodo comprar um DVD ou fazer assinatura de TV a cabo. Esse segredo simples, é um daqueles tantos outros: são óbvios, mas ninguém leva a sério. Contar histórias fica ao encargo da escola, isso quando essa não se resume ao cumprimento de programas pedagógicos, o que acontece na maioria das vezes.

A coesão narrativa tem o dom de costurar os fragmentos da vida no mundo, dá unidade, constrói sentido, demonstra as crises dos desejos e os empecilhos aos sonhos. As boas histórias não precisam de enredos magníficos, ou peripécias incríveis. Basta um ser humano, ou algo que lhe seja metáfora, em busca da realização de um desejo. Este desejo pode ser a fuga de uma vida medíocre como em “Madame Bovary”, ou o desejo de trazer um peixe para a terra, como em “O Velho e o Mar”, ou, simplesmente, em destruir gigantes imaginários por amor, como em “Dom Quixote”. Quanto às histórias infantis, há tantas!

Essa característica da linguagem, pelo que se sabe até hoje, é apenas inerente ao ser humano. Embora se saiba que golfinhos se comuniquem, que pingüins resmunguem, que os elefantes soltem gritos alertando perigos, não se imagina qualquer desses animais relatando a história da família aos filhotes, ou fazendo-os dormir com contos de fadas ou bruxas.

Há poucos dias, uma rede de televisão fez uma reportagem sobre uma experiência médica com prematuros. Um grupo deles foi submetido à contação de histórias por voluntários ou familiares, outro teve apenas o tratamento convencional.

A experiência revelou uma significativa melhora naqueles bebês que ouviam histórias, um aumento da resistência às infecções, e uma estabilização dos batimentos cardíacos, entre outras melhoras. A voz humana, além do enredo - que seguramente os recém nascidos não entendem - transmite emoções. Segundo a médica, este vínculo afetivo com a voz é que produz os efeitos físicos.

Sempre soubemos que as histórias, lidas ou ouvidas, eram remédios para as dores da alma. Agora sabemos de seu efeito terapêutico também para o corpo. Os mapuche, sem experiência científica nenhuma, já sabiam bem antes de nós.

 

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