É provável que boa parte do público gaúcho se emocione ao ver O Tempo e o Vento nos cinemas, principalmente pelo vínculo sentimental que nutre pela obra, como também é provável que outra parte do mesmo público só reforce seu amor pelos livros, ainda que sempre seja injusto comparar uma história transposta de um meio para outro. É um filme de superlativos, de uma forma ou de outra. Uma pena que essa balança penda mais para o lado dos defeitos do que das qualidades.
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Mesmo com alguns escorregões, o trabalho do diretor de fotografia Afonso Beatto é muito bom (escorrega na continuidade de algumas cenas e acerta em algumas composições belíssimas, como em duas cenas de sepultamentos). A insistência em mostrar o pôr-do-sol revela uma predileção clichê do diretor Jayme Monjardim, mas tem uma coerência narrativa com a ideia do sol que se põe e volta a nascer, dando prosseguimento às gerações. O grande problema da bonita transposição da obra de Veríssimo é queMonjardim não consegue respeitar certos procedimentos narrativos, por uma série de fatores: o tempo reduzido (é material para pelo menos três horas), escolhas técnicas mal-feitas e uma montagem pouco fluida, revelando um roteiro que, claramente, não encontrou soluções para condensar tanto conteúdo em pouco tempo. Ainda que seja um trabalho de peso, a trilha sonora exagera no ufanismo em determinadas cenas, para provocar emoção, e não dá tempo para que o espectador respire. Para completar, certas cenas são simplesmente mal enquadradas, com as testas de personagens cortadas sem um critério estético enquanto o restante do plano é preenchido sem uma coerência visual pelos objetos em cena. Uma mise-en-scène totalmente perdida, em uma belíssima reconstituição de época mal aproveitada.
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O grande problema do filme é queMonjardim traz um vício da dramaturgia de TV no Brasil: ele nivela a capacidade de percepção do seu espectador por baixo. Como se estivesse fazendo novela, opta por mastigar tudo ao seu público, através de uma narração em offque alterna bons momentos (graças à prosa de Veríssimo e à voz melancólica de Montenegro) com inserções desnecessárias. Não são poucos os momentos em que, quando o filme parece que vai engrenar e começar a seguir seu rumo sozinho, a narrativa é cortada bruscamente – um defeito que se amplia na meia hora final, com um ritmo picotado que irrita quem não foi seduzido pela emoção das belas imagens e da trilha. E é uma pena que MarjorieEstiano não tenha tido mais falas: ajudaria a tornar mais palpável a história de amor que o filme vende como seu grande elo condutor, mas que soa mais emocionante quando Fernanda Montenegro está em cena.
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A produção, por fim, se apoia, e muito, no registro icônico criado pela histórica minisérie de 1985 (a presença de Cléo Pires, filha de Glória Pires, intérprete de Ana naquela ocasião, não é por acaso) do que no livro propriamente dito. O maior exemplo é justamente o Capitão Rodrigo de Thiago Lacerda. Se o ator se sai bem no papel é, principalmente, pelo fato de emular a interpretação de Tarcísio Meira na minisérie com uma série de trejeitos idênticos que os closes de Monjardim tentam justificar. Mas Lacerda, mesmo saindo-se bem, não consegue chegar aos pés do carisma e do respeito que Meira emprestou ao personagem e ao sotaque gaúcho – e para comparar basta rever a cena da chegada de Rodrigo à venda de Nicolau na versão de 1985 para perceber como o elenco emprestava mais naturalidade à cena.
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No fim, Monjardim, que costuma ser considerado cinematográfico quando faz televisão, demonstra-se pouco à vontade com o tamanho da produção que comanda. Aqui, soa televisivo em excesso. Não é à toa que o filme chega aos cinemas já tendo sua exibição na TV, no início de 2014, acertada. É um filme com pretensões de grande cinema, mas com um pé fincado em vícios da dramaturgia de TV.