A voz do Patrono: "Serei um eterno estudante!"

Em uma hora de conversa, Paulo Monteiro - Patrono da Feira do Livro - falou sobre a sua história e sobre a história que é foco de seu estudo.

Por
· 7 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Nem jornalista, nem historiador. Paulo Monteiro, apesar de ser considerado um pouco de ambos, se vê, na realidade, como um publicista - aquele capaz de escrever o que precisa ser publicado, uma espécie de intelectual do povo. Através primeiras palavras publicadas, há 45 anos, Paulo deu vazão ao que sentia. Foi ali, no primeiro semestre de 1968, que nascia uma paixão. Seja pela escrita ou pela oralidade, Paulo se declara um apaixonado pela história e pela literatura.

Tudo começou com um poema sobre Passo Fundo. Entre rimas e abordagem indígena, a professora de português explicou sobre licença poética e sobre os índios. Para Paulo, não foi suficiente. Ele queria saber mais. A professora indicou a biblioteca da escola. “Lá me fui, um menino de 13 anos, lendo livros. Minha curiosidade aumentou. Passei a entender as coisas. Através dos poemas, comecei a me interessar por história. A minha curiosidade me levou pelos caminhos da pesquisa histórica e da literatura”, relembra.

Hoje, já reconhecido na cidade, autor de cinco livros, membro da Academia Passo Fundense de Letras e um eterno poeta, Paulo consegue ver com maturidade a sua produção. Vigora, acima de tudo, a rigorosidade com o conteúdo. Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo, por exemplo, demorou seis anos para ser escrito. O pai e o avô contavam histórias de um bisavô que lutava nos campos de batalha de uma guerra. “Ele teria participado da Batalha do Pulador e alguns detalhes que contavam eu não encontrei em livros. A curiosidade aumentou. Havia uma série de informações que não fechavam e, a partir disso, eu fiz uma investigação e durante seis anos investiguei dados de combate e da guerra.”

Além da curiosidade, a pesquisa acontece porque há pedidos ou, também, porque há a necessidade de unir informações. “Eu escrevo para ver publicado, para ser lido e entendido. As pessoas me consideram um historiador porque são 45 anos estudando”. A dedicação é intensa. Mesmo sem formação acadêmica, Paulo jamais deixou o estudo de lado. O seu objetivo não é ensinar sobre data, mas sobre fatos. “Não basta somente dizer que o Brasil foi descoberto em tal data e que a Proclamação da República foi feita em tal dia. É preciso se atualizar, trocar informações, reler e reescrever”, destaca.  Na vida de Paulo Monteiro, o aprendizado é constante. “Ainda que eu viva a idade do Matusalém, os 900 e tantos anos, eu estarei sempre aprendendo. Sou um eterno estudante”.

O mergulho no mundo literário possibilitou a politização. Na década de 70, foi um dos que estiveram na linha de combate contra a censura. Em Passo Fundo, a repressão era promovida pelo Exército ou pela Brigada Militar. Paulo não foi preso, mas foi seguido por agentes do Serviço Secreto do Exército por causa da posição que assumia diante da sociedade. “Eu usei a poesia para me comunicar. Alguns deles estão no “eu resisti também cantando”. Foi uma forma de me expressar e de resistir enquanto eu combatia pela liberdade lutando em uma organização clandestina”, conta.

Paulo vivenciou a repressão. Hoje, em um cenário global e com inúmeras possibilidades de comunicação, destaca que a opinião é uma das grandes armas do homem.“Eu cresci sob um regime que tínhamos que falar baixo, ler escondido, manter livros contrabandeados. O fundamental é a liberdade de expressão. Com a internet, escreve-se o que se quiser, sobre o que quiser, contra ou a favor de qualquer coisa.  A liberdade de expressão - que muitas vezes não se sabe como usar - foi a grande conquista da minha geração.” Liberdade essa que chegou com recompensas.

Todo o esforço em meio à livros e pesquisas resultou em uma cadeira na Academia Passo-Fundense de Letras. Paulo conta que nas décadas da censura, quando a radicalidade não era bem vinda, sua entrada foi barrada. “Nos anos 70 eu tinha vinte e poucos anos, entraram vários membros para a APL. Meu nome foi vetado. Não fui eleito porque era muito radical”, conta. A entrada para a Academia veio apenas mais tarde . Foi presidente, vice-presidente e, atualmente, um dos membros mais ativos. A Academia se abrandou, Paulo não: “Eu continuo cada vez mais radical, no sentido de ir às raízes”. Sobre a sua ideia do que uma instituição como a APL deve exercer na sociedade, ele é enfático: “A Academia deve ser aberta. Tem que ser um instrumento de acolhimento, orientação, apoio e estímulo do jovem.”. Hoje, iniciativas como os Concursos Literários provam que, de fato, o caminho é esse.

O caminho escolhido pela Academia vai de encontro ao contexto em que o mundo, hoje, está inserido. A necessidade de aproximação da literatura com o jovem é a pauta de discussões e assunto para propostas. Paulo é otimista e vê na internet uma alternativa de incentivo à cultura: “Há séculos - há dois mil e tantos anos -, Platão se manifestava contra a escrita e defendia a oralidade. Ele dizia que a escrita prejudicaria o raciocínio das pessoas. Com toda a sua sabedoria, Platão estava errado. Hoje, Platão só é lembrado porque a escrita foi inventada”, reflete. Paulo critica e contesta quem alega que a juventude não lê e não escreve. “Nunca se leu e nunca se escreveu tanto quanto hoje. A gurizada, com 8 ou 9 anos de idade, está na internet escrevendo. Essa linguagem resumida da internet não é nova, é a linguagem telegráfica - é o velho telegrama, uma velharia! Então se escreve muito e se lê muito hoje”, enfatiza. Para ele, a internet é uma oportunidade de encontro, de comunicação e, até mesmo, de publicação. “Eu faço do meu Facebook o meu jornal particular. Eu sou otimista. O mundo marcha para melhor. Claro que antigamente as guerras eram feitas com arco e flecha e hoje são usadas armas de destruição em massa. Mas ainda assim: o mundo avança!”

Além do formato, Paulo fala sobre o conteúdo. O patrono vê, na internet, uma porta para a informação: “A internet é a maior biblioteca que já existiu na face da terra e está num processo de expansão que não temos noção. Tem a informação séria e tem a informação sem a menor credibilidade. É preciso conferir, claro, mas é a mais vasta biblioteca que tenha existido ou que vá existir. Ela está no mundo e, mais que isso, acessível a qualquer pessoa.”

Toda a personalidade de Paulo Monteiro resultou na homenagem que a 27ª Feira do Livro de Passo Fundo - que acontece de 1 a 10 de novembro - apresenta ao público. Ser Patrono do evento o surpreendeu. “Jamais esperei ser convidado para Patrono da Feira do Livro. Eu reúno todas as características de um anti-patrono. Eu não tenho medo de expressar o que eu penso. A minha ideia de Patrono sempre foi de um cidadão concorde, de acordo com tudo que haja de mais comum, normal e rotineiro”. De fato, Paulo não é assim. No inverno de 64, aos dez anos, Paulo se revoltou contra os castigos corporais usados nas salas de aula. “Me trancaram na sala de aula, pulei a janela, fui para o pátio e disse todos os impropérios que cabiam na boca de uma aluno de dez anos contra a professora e contra as práticas”. Paulo passou a estudar em Santo Antão. “Desde os dez anos eu não tenho feito outra coisa a não ser falar e escrever contra o status quo. Um escritor desse tipo é o típico anti patrono! Para mim foi uma surpresa!

O objetivo, então, é deixar um pouco da sua essência no público. “Serei lá, na Feira do Livro, o que sempre fui. Inconformado com tudo aquilo que signifique escravidão. Manuel Bandeira tem um poema onde ele diz que, em outras palavras, não acredita em nenhuma poesia que não seja libertação. Eu não acredito em nada que se fale e escreva que não seja libertação”, explica. Nesse sentido, a Feira do Livro é, segundo Paulo, um espaço dedicado à libertação. “Lá coexistem sob a forma de livros todas as ideias, todos o sonhos, todas as vontades, todas as projeções dos mais diferentes seres humanos”, comenta.

Há 27 anos, a Praça Marechal Floriano se preenche, a cada novembro, com livros e ideias. Sorte de Passo Fundo. “A Feira do Livro cumpre a sua função. Não é a toa que é a 27ª Feira do Livro. Se ela não cumprisse sua missão social, ela não teria sobrevivido por tanto tempo”, destaca. Quanto ao valor dos livros, Paulo lembra que um livro pode ser encontrado por preços diferentes, dependendo de onde se pesquisa. “Sempre há espaço para ler. O livro é caro. Mas existem os Sebos e livrarias que comercializam livros usados. Você encontra de tudo! Você encontra clássicos, modernos, contemporâneos, autores conhecidos, autores desconhecidos, de Passo Fundo, do estado, do Brasil e do mundo”, comenta. Para ele, é uma questão de opção.” Quem quer ler, hoje, tem em Passo Fundo n opções que não tínhamos quando começou a Feira do Livro”, destaca.

Por Jornada Nacional de Literatura ou por Feira do Livro, Passo Fundo ostenta o título de Capital Nacional da Literatura. Os índices, para Paulo, podem ser duvidosos, mas o que o Patrono sustenta é o fato:“Se lê muito em Passo Fundo. Se escreve muito em Passo Fundo. Há três anos, eu e Gilberto Cunha chegamos a conclusão que se publica quase um título por dia em Passo Fundo. O que falta é espaço para a divulgação de autores locais.” Paulo sugere: “As livrarias poderiam colocar uma prateleira apenas com os autores locais - de Passo fundo e região. É uma forma de estimular as pessoas a conhecerem a literatura que se produz em Passo Fundo que, nos últimos anos, tem uma qualidade excepcional”.

Apaixonado pelas publicações, Paulo é um defensor da literatura local. “Passo Fundo não fica nada a dever à literatura produzida em outras cidades do país. Às vezes um autor local tem muito mais a dizer do que os famosos enlatados best-sellers. A literatura daqui às vezes é superior que os que vendem milhões de exemplares”, enfatiza. Para a Feira do Livro, Paulo está preparando o livro “Passo Fundo: história e cultura” que é, na verdade, a reunião de textos já publicados de sua autoria sobre a história da cidade. Além disso, há, em mente, o projeto de reunir os programas Literatura Local em livro.

Simples e sincero, Paulo Monteiro é a representatividade de uma cidade. Na fala calma que carrega a história,tem um pouco de professor, um pouco de amigo. Em uma conversa, uma aula. Uma ironia: aquele que dispensou os bancos acadêmicos talvez seja o que mais tem para ensinar. A Feira do Livro está bem servida, obrigado.

 

Gostou? Compartilhe