Coluna: O direito de esbanjar

Por Pablo Morenno

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Na última quarta feira, o Papa Francisco ordenou que o bispo alemão Franz-Peter Tebartz-van Elst, conhecido como “bispo de luxo” por gastar cerca de 35 milhões de euros (R$ 103 milhões) em uma residência, deixe a diocese em que trabalha. Os gastos com a construção da residência custaram um valor bem acima do orçamento inicial de 2,5 milhões de euros (R$ 7,4 milhões) previstos inicialmente. A quantia cresceu em boa parte por conta dos extras, como uma banheira de 15 mil euros (R$44,4 mil); uma mesa de reuniões de 25 mil euros (R$ 74 mil); e uma capela particular de 2,9 milhões de euros (R$ 8,5 milhões).

Papa Francisco, que sempre viveu com simplicidade, e prega a humildade da Igreja,  deve ter ficado indignado com esse bispo, também era aficionado por carros de luxo. Acontece na mesma semana em que transitou pelas redes sociais uma foto de um pastor que levou um carro importado ao culto para que os fiéis o tocassem, e assim atraíssem as bênçãos de Deus para a prosperidade.

O comportamento do bispo, por ser um membro da Igreja, foi reprovado. Temos uma ideia de que aqueles que se dedicam à religião, às coisas espirituais, devam ser menos apegados às coisas materiais, entre elas o luxo. Em geral as religiões pregam isso. Penso no cristianismo, exceto as evangélicas da teoria da prosperidade,  no induísmo e budismo. Mesmo a ética protestante, denunciada por Max Weber, não homenageia a ostentação como virtude.

Mas na estágio em que chegamos como humanidade pensante, faz-se necessário um novo juízo ético do luxo,  do esbanjamento, para além da religião. É mister partir de algo como a solidariedade e respeito com os outros, uma característica intrínseca da humanidade, como os direitos humanos. Precisamos perguntarmos se o esbanjamento e a ostentação é um direito apenas porque o dinheiro pertence esbanjador e obtido de modo lícito, embora imoral algumas vezes.

A ofensa, neste caso, não seria aos princípios da moral ou religião, mas aos da humanidade. Num mundo em que milhões passam fome, em que milhares morrem de doenças por falta de saneamento básico, uma banheira de quinze mil euros, -  como um vinho de dez mil reais, como enterrar um carro importado no jardim da casa por capricho, como fez um playboy de São Paulo, - afronta profundamente à humanidade.

Esta ofensa à humanidade é a mesma que sentem os defensores dos animais quando os sofrimentos e maus tratos dos bichos machucam sua sensibilidade. Esta  ofensa é a mesma que sentimos quando contaminam a natureza, quando destroem florestas, quando morrem inocentes. Há algo nosso nessas perdas. Dizer que é inveja dos ricos e poderosos é sair pela tangente.

O que uma mansão de milhões, uma roupa de diamantes, uma festa nababesca ofende em mim como ser humano?

 A dignidade. Como parte do gênero humano todos temos o dever de preservá-la. É uma característica fundamental, imprescindível, irrenunciável, não pode haver concessões.

Se o sofrimento dos animais nos fere, defendamos. Se a ostentação nos envergonha ante a miséria de tantos, protestemos. Se a guerra também nos mata um pouco,  mesmo estando longe, lutemos pela paz.

Nenhum homem ou mulher tem direito de, para ostentar luxo ou poder,  ferir a dignidade humana. Como ou sem religião.  E todos podem reclamar. A ferida na dignidade humana é dor por todos compartilhada.

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