Até que ponto um gesto pode definir algo ou alguém? Retratar época ou lugar? Falar de si e do outro? Em que momento o gesto se tornou identidade e marca própria? Não sei responder nenhuma dessas perguntas, mas, talvez, ao visitar a exposição “A medida do Gesto” - do acervo do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul - algumas das respostas perpassem pela sua mente. Das paredes ao chão, a mostra retrata um pouco da realidade em volta.Do homem aos instrumentos que utiliza, da visão que se tem sobre a natureza, daquilo que se percebe do mundo. Não há como definir temas, objetivos propostas. As verdades, ali, são muitas.
Numa realização conjunta do Arte Sesc – Cultura por toda parte e do Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), a mostra “A medida do gesto” poderá ser visitada, até 15 de dezembro, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider. Criada com o objetivo de fundamentar e discutir, em termos teóricos e práticos, a atuação do profissional em artes visuais, a exposição é fruto de um projeto de pesquisa e difusão da Universidade tendo o acervo do Museu como foco de trabalho. O Segundo Caderno conversou com André Venzon, diretor do MACRS desde 2011, e com Ana Maria Albani de Carvalho, que assina a curadoria geral da exposição e em pouco mais de uma hora conseguiu entender um pouco da arte contemporânea - que não tem rosto ou forma definida, mas busca, assim como qualquer expressão artística, causar sensações capazes do ato de despertar. O que ou quem é o expectador quem decide.
Em 2011, André assumiu o MACRS e, desde lá, busca um projeto que seja capaz de alcançar o público de uma forma plena. Para ele, isso só é possível com a aproximação das universidades. No caso do MACRS, foi a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - a principal aliada. “Não se faz gestão cultural sem a relação com a universidade - que é um pilar na formação e na produção de conhecimento de toda uma sociedade.”, opina. Além da universidade, André ressalta a proximidade da comunidade. “Não se faz museu sem a comunidade. Se não tiver a comunidade, museu pra quê?”, questiona.
Parceria feita, era o momento de pensar o quê fazer. “O projeto teve início com a necessidade de fazer uma exposição com o acervo do Museu. Eu estudei no Instituto de Artes da UFRGS e tinha contato com os professores. Quando assumi o Museu, convidei a Universidade para fazer um trabalho de pesquisa com os alunos”, explica. Os estudantes mergulharam no MACRS. Escolheram obras e autores, montaram a exposição, e partiram para o projeto gráfico de um livro - 2ª etapa do projeto. “O livro retrata desde a etapa de pesquisa, até a aplicação da exposição”, comenta André. Com o livro em mãos, o MACRS procurou o Sesc e nele encontrou a parceria para viajar pelo estado.
Depois de Pelotas e Bagé, chegou a vez de Passo Fundo. “Cada cidade recebeu o Museu de sua forma e colaborou de forma diferente para a divulgação da arte contemporânea, mas, em Passo Fundo, o MACRS encerra muito bem. Em 2011, iniciamos junto com a Universidade. Em 2013, encerramos em um Museu que tem a parceria com a Universidade”, explica.
Além do itinerário, a diferença de “A Medida do Gesto” é que não é uma simples exposição. Além da visitação, ainda existe um projeto pedagógico - com palestras e oficinas em cada localidade em que a exposição faz a parada - direcionado aos professores com a finalidade de estimular o ensino de arte contemporânea nas escolas e universidades. Em Passo Fundo, não houve agenda para as palestras e oficinas, mas o material é auto-explicativo e está disponível no MAVRS e os professores podem solicitar.
Explicado o projeto, é preciso voltar no tempo. Nos anos 90, a disciplina de Laboratório de Museografia passou a ser oferecida aos estudantes de Artes Visuais da UFRGS. Desde lá, projetos que se aproximam dos museus vem sendo realizados, mas o diferencial foi, segundo com Ana Maria Albani de Carvalho - que, além de curadora, é a professora responsável pela disciplina há 20 anos -, foi a discussão sobre o que é e como se constrói a arte contemporânea. “Foi, claro, uma experiência única e impactante para o grupo de jovens. Pensar a experiência do Museu e qual a função de um Museu de Arte Contemporânea foi um diferencial nessa exposição. Os estudantes puderam vivenciar o acervo e foi, realmente, um laboratório”, comenta a professora.
Escolher obras e colocá-las na parede é fácil. Escolher obras e enxergar um significado comum em cada uma delas é a parte difícil de montar uma exposição. Em “A Medida do Gesto” foi, justamente, o peso da mão do artista o que definiu qual obra entraria para a exposição e qual ficaria de fora. “É muito difícil expor acervo. E são raríssimas as vezes que os museus levam o seu acervo para espaços públicos. A intenção, aqui, é estudar a medida do gesto dos artistas de uma coleção que é do início do acervo do MACRS”, explica André. Na arte contemporânea, a individualidade é o que se sobressai é, quase sempre, a personalidade do artista sobre a tela ou escultura. “Temos muitas linguagens por aqui, mas existe uma linha que foi preservada: o gesto - o gesto plástico, mas, também, poético”, destaca André.
A busca por esse gesto tornou o projeto longo: durante todo um semestre, os estudantes passaram por todas as fases de montagem de exposição e, ainda, produção de um livro. A relação professor-aluno-museu foi de compartilhamento. “A atividade foi intensa e foi de compartilhar e trocar ideias. Essa é a grande questão: não existe mestre e aprendiz. Todos temos conhecimento e olhar e compartilhamos essa experiência”, destaca. Quanto a avaliação da disciplina, Ana não tem dúvidas: “É um projeto que me motiva, enquanto professora e quem levou o projeto até o final, não tem como tirar menos que dez”, brinca.
Ao que tudo indica, a crítica concorda. André ressalta que, antes, recebia muitas críticas que buscavam interferir na rotina do Museu. Com “A Medida do Gesto”, as críticas se transformaram em elogios. “Somos muito ensinados a criticar, mas fazer alguma coisa - sem esquecer da crítica - envolve tempo e é muito mais difícil. Esses acadêmicos fizeram a exposição - foram eles que selecionaram a obra, escolheram o título, escreveram os textos, desenharam o livro e o convite, montaram uma maquete e montaram a exposição. Essa dedicação é a melhor resposta que podíamos ter.”
Ainda assim, André não acredita que é o suficiente: “As pessoas vem até o Museu, conhecem a arte, mas precisaria muito mais. Museu tem vida, várias vidas. As pessoas precisam ver mais arte contemporânea e o povo não cobra esse tipo de serviço público. Na minha visão, a arte é uma necessidade básica, também”. A própria exposição, para André, é uma forma de crítica e de desejo que a arte seja mais amplamente difundida e acessada. Em tempos de curtir e compartilhar, é, para ele, momento de compartilhar arte e aproximá-la do público. “A gente curte tanta coisa, por que não curtir a arte? Tudo tem um ponto de partida. O Museu ainda é o ponto de partida da arte, porque a escola deixou de ser. As cidades poderiam se tornar espaços para a arte: a praça pública e a rua. Existem muitas formas de expressar a verdade e a arte é a liberdade de fazer isso”, conclui.