Aberto debate sobre produção literária de Passo Fundo

Pablo Morenno questiona falta de obras consistentes na capital das jornadas literárias

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As referências são as melhores possíveis. Uma pesquisa feita pelo Retratos da Leitura no Brasil, da Câmara Brasileira do Livro, apontou  Passo Fundo com o maior índice de leitura do país. São 6,5 livros por habitante ao ano, contra 1,8 da média nacional, diz o levantamento. Desde 2006, a partir de um projeto de lei, o município passou a ostentar o título de capital nacional de literatura, em razão das jornadas literárias realizadas há 32 anos. Nestas três décadas, passaram pelo chamado  circo da cultura os principais escritores brasileiros da atualidade e dezenas de estrangeiros. No entanto, a cidade conhecida por  consumir e  divulgar literatura não tem o mesmo destaque quando o assunto é produção literária.

A polêmica partiu das provocações feitas pelo escritor Pablo Morenno durante uma mesa de debates promovida pela Academia Passo-Fundense  de Letras, (APL),   na 15ª feira do livro, no início deste mês. O tema ganhou fôlego na coluna assinada por ele no suplemento de cultura Segundo, de O Nacional, do último final de semana.

         A partir do título “Capital da Literatura sem escritores?”, o catarinense,  radicado em Passo Fundo desde o início dos anos 90, e autor de seis livros publicados, Pablo Morenno direciona a reflexão para a produção local com a finalidade de propor uma revisão crítica sobre qualidade literária das obras passo-fundenses e, ao mesmo tempo, desenvolver projetos para descoberta e formação de novos escritores.  “Podemos ser Capital Nacional e Estadual da Literatura sem produzirmos literatura?” questiona, e vai além. “Se nossa literatura é de qualidade, por que não temos fortuna crítica nem mesmo da academia local, não ganhamos prêmios importantes, não temos resenhas em jornais do estado?” comenta.    
     
Para o membro da APL e mais recente patrono da feira do livro do município, o debate em torno da falta de obras literárias consistentes produzidas em Passo Fundo não é novidade. Paulo Monteiro afirma que vem diagnosticando o cenário há pelo menos 10 anos. Os resultados destas reflexões, segundo ele, podem ser conferidos em seu  novo livro ‘Passo Fundo, Cultura e Memória’, o sexto da carreira. “Escrevi artigos sobre este assunto. Nossos escritores produziam uma literatura esteticamente ultrapassada. Nas décadas de 50 e 60, enquanto no Brasil se praticava o concretismo, nossos poetas continuavam escrevendo poemas românticos, parnasianos, há muito tempo superados pelo modernismo” compara.

Situação que, segundo Monteiro, ainda perdura nas obras mais atuais. Ele entende que a cidade ainda não gerou um escritor original. “Permanecemos esteticamente atrasados. A verdade é que não temos nenhum poeta, nenhum contista, nenhum cronista ou  romancista original. Todos, de uma forma ou de outra, podem ser classificados como imitadores. Estou falando exclusivamente da arte literária” enfatiza.

Presidente da APL, entidade que completou 75 anos em 2013, Osvandré Lech divide a mesma opinião do colega e atribuiu ao ‘estilo arcaico de escrita’ o fato de alguns escritores do passado, considerados clássicos em Passo Fundo, não se tornarem conhecidos no estado. “O autor de textos de ficção, literatura e  poesia precisa pensar como um “revolucionário” inovador. Ele precisa cativar o publico com novas propostas e não repetir formulas que já leu” observa.

Quanto ao momento atual, Lech aponta uma lista de escritores com potencial literário na cidade e  destaca a qualidade de publicações dos 32 acadêmicos nas áreas do direito, agricultura, educação, história, meteorologia, medicina, muitas delas, afirma,  reconhecidas no Brasil e em outros países. Para o presidente da APL,  o município carece de editoras com capacidade de produzir e distribuir as obras nacionalmente. “Precisamos agora de bom empreendedorismo. Editoras audaciosas. Marketing e ação de venda local e à distância” avalia.  
 
Ao levantar o debate, Morenno aponta possíveis caminhos para a mudança do cenário atual. Defensor da técnica no processo de aprendizagem da escrita, diz que Passo Fundo precisa desmitificar a ideia de que o escritor é um ser iluminado que já nasce pronto. “Escrever é um processo de aprendizagem. Quanto mais exercitar, melhor será a qualidade do texto. Existem técnicas básicas para cada gênero. Um conto requer conflito e subtexto; poesia pede ritmo e metáforas. Mesmo o talento natural precisa ser trabalhado tecnicamente, assim como acontece no esporte e nas demais artes. Precisamos desenvolver estas oficinas em Passo Fundo, principalmente nas escolas” afirma.

A mudança, segundo ele, passa ainda pela existência de uma crítica séria e isenta das obras produzidas na cidade, criação de concursos literários, como forma de incentivo à produção, ciclos de estudos sobre literatura, e a oferta de bolsas para edição das obras.

‘Muitas obras se perdem por falta de técnica’

Autora de sete livros e vencedoras de diversos prêmios literários, a escritora Valesca de Assis, também é defensora da técnica na formação do escritor. Natural de Santa Cruz do Sul, mas residindo em Porto Alegre, ela ministra oficinas com ênfase no desbloqueio para escrita criativa e diz que a técnica é parte importante do estilo que o escritor vai desenvolver. “Maiakowski afirmou: só a técnica liberta o talento. Se todos os artistas dedicam-se a aprender  e a familiarizar-se com as exigências de sua arte, por que nós, os escritores seríamos diferentes? Ela lembra que uma obra literária vai muito além de uma boa ideia, e que muitas delas se perdem no caminho justamente pela ausência desta técnica.

Ministrando oficinas há 15 anos, Valesca trabalha o desbloqueio criativo e a busca da chamada ‘voz literária’ de cada participante. “Fazemos leituras críticas compartilhadas, vemos exemplos de boa escrita, preparamos os caminhos e, ao final, temos tido bons exemplos de Literatura” explica.

A escritora chama a atenção para o fato de que as oficinas não são a única forma de aprender literatura, no entanto, a mais procurada por manter um trabalho conduzido, mas respeitando as diferenças individuais. “O que eu posso recomendar é que não tenham medo das boas influências, que leiam muito, e que estejam atentos à vida e ao mundo. E se, depois de uma boa oficina, o talento de escritor não se mostrar, teremos ótimos leitores críticos” justifica.

Talento e teimosia

Para Paulo Becker, professor de literatura da Universidade de Passo Fundo, poeta, crítico e roteirista do programa de TV Mundo da Leitura, a técnica não é tão determinante na formação de um escritor e afirma que as oficinas literárias são questionáveis.

“Pode sair uma produção padronizada. Cada um tem que encontrar seu caminho. Participei de oficinas de ficção e poesia e não senti muita diferença. Um escritor precisa de talento e teimosia” observa. Sem entrar no mérito da discussão sobre a qualidade da produção literária de Passo Fundo, Becker lembra que as jornadas literárias têm 32 anos e é algo que ainda está sendo plantado. “Vamos esperar para colhermos os frutos. Escritor não é produzido em série” argumenta.

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