A Culpa da Flor

Por Pablo Morenno

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Seu fosse menos ignorante e mais observador não teria, sem razão, discutido sobre Guernica, a mais conhecida obra de Picasso. As fotografias do bombardeamento de Guernica, que aparecem na imprensa em Maio de 1937, tocam o pintor profundamente. Passado pouco mais de um mês, e após 45 estudos preliminares, sai do seu atelier parisiense o painel Guernica. No mesmo ano, será colocado na entrada do pavilhão espanhol da Exposição de Paris dedicada ao progresso e à paz. Rapidamente se transforma num objeto de protesto e denúncia contra a violência, a guerra e as tragédias humanas.

Sempre achei o quadro terrível. É clara a mutilação dos corpos. Um homem grita apavorado com os braços erguidos.. Um cavalo agoniza. Uma mãe com um filho morto nos braços procura a porta. Um touro que abana o rabo tranca a porta. A mãe tem um rosto de dor aterrorizante. Condensa em seu grito todas as mães do mundo, em todas as perdas do mundo...

 Para meu amigo, Guernica tinha esperança. Para mim, era só desespero. Figuras mutiladas, cinza e preto, cores tanáticas e sinistras.

Você observa mal, me lascou. Há uma flor. É uma flor em preto e cinza, mas é flor. Essa flor, pequena, quase invisível, é a resposta. Observe melhor. Na parte inferior da pintura há um homem caído. Agarra-se à uma espada quebrada. De sua não nasce o inesperado. A flor está crescendo, cresce sobreposta às figuras. Ela será maior que as figuras porque está sobre elas.

Já em casa, fui para a internet, salvei a Guernica no PC, olhei com zoom. Verdade. Há mesmo uma flor imperceptível nascendo de uma mão com a espada rompida.

Lembrei-me desta flor, que é título de um livro meu, para procurá-la novamente na história desta menina do Veranópolis. Ela se suicidou depois de ter suas fotos, divulgadas na internet. E não foi a primeira. Como achar uma flor no meio de uma tragédia? Mas há.
A flor neste pântano é a inocência de menina. Ela crê platonicamente no amor. A flor também está na inocência do garoto, nem sabe avaliar direito o rebuliço de uma foto postada indevidamente nas redes sociais. Um mero machismo jovem, mas não diferente de outros. Como tantos homens das suas relações, deve ter querido mostrar a foto, copiada com printscreen, para contar vantagem. 

Quem sabe a flor está na inocência dos pais, que tem medo de dizer não para um menino e uma menina, pais que não sabem o que seu filho ou filha faz no computador; a inocência está nos colegas, que disseminaram a foto sem se importar com as consequências. A inocência está numa sociedade promove e consome o erotismo precoce.

Esta flor ingênua abre suas pétalas em nós como se fosse normal e cotidiana. Cremos que crianças e jovens saibam lidar direito com o amor, o sexo, e a internet.

Somos todos inocentes. Inocentes úteis à morte de uma menina, inocente.

Nenhuma tragédia é apenas tragédia. Toda tragédia também gera em suas entranhas uma flor para ser colocada sobre seu próprio túmulo. Com o tempo a flor seca ao sol. Fica apenas a lápide em sua frieza. E nós, homens e mulheres, seguimos na nossa ignorância, sem aprender com a observação das pequenas coisas, revivendo tragédias todos os dias.

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