Uma colega de trabalho, há alguns anos, teve a idéia de trazer uma caixinha com cartas de crianças ao Papai Noel dos correios, para que fizéssemos nossa boa ação de Natal, e pudéssemos começar o ano novo com a consciência tranqüila. Lendo uma e outra cartinha, me lembrei do tempo em que, menino pobre do interior, todos os natais do Papai Noel uma patrola, ou uma motoniveladora, num vocabulário mais técnico.
Estava envelhecendo e nunca chegava a patrola. Revirando as cartinhas dos correios, entre os olhares surpresos de meus colegas, aquele desejo de pobre - desejo de coisas simples e insignificantes - reaflorou. Meu desejo floresceu incentivado por esses pedidos de material escolar, chinelo, bola, remédios, roupas, boneca, ursinhos. Desejo de criança pobre não ultrapassa os vinte reais. Ali, entre tantas cartinhas, um menino, como eu há tantos anos atrás, também queria uma patrola.
Quarenta e poucos anos. Nunca ganhei a patrola da infância. Cresci, estudei, me casei, estou menos pobre, mas aquele desejo antiquíssimo ainda implorava deixar de ser desejo e morar em um canto da casa.
Como poderia realizar um desejo dos outros se dentro de mim havia uma criança com antigo desejo pendente?
Em minha mesa de trabalho, perdido entre carimbos e processos. Um menino com vermes na barriga e desejos no cérebro. A patrola! A patrola! Enorme, amarela. Duas lâminas fortes. Lâmina para estradas estreitas e amplas. A patrola abria a terra vermelha, deslizava suas rodas pesadas e pretas, garras e vincos cravando o cascalho. E ia derrubando tocos, árvores, arrancando pedras. Eu desejava aquele bicho raro e amarelo abrindo caminhos no horizonte, entre as plantações e os matos, entre um mundo pequeno e um outro sem fim.
18 horas. Fim do expediente. Lojas ainda abertas, muitas, nenhuma patrola. Longe do centro, quase na periferia, lá estava ela me esperando. Saldo de dois ou muitos anos, me contou a vendedora. Na cidade, poucos meninos tem desejo de patrola no Natal. Ela foi ficando ali, abandonada como antiga lembrança. Deve ter esperado trinta e poucos anos, eu sair do interior, melhorar de vida e quase esquecê-la. Abracei-a na prateleira, paguei com cartão de crédito, e a trouxe pra casa.
Desejo desfeito, desejo virado coisa, devo seguir a vida de gente grande, nesta estrada aberta sem horizonte, nesse muito que o mundo nos pede. Muito, ou muito pouco. Embora nem tão pobre, continuo com essa poderosa capacidade de continuar desejando. Realizado o anseio de infância, estova pronto. Tomaria o brinquedo nas mãos pela última vez. No dia seguinte, ele estaria num pacote bonito, lá na Vila Beira-Trilhos, na casa do Mateus que, exatamente como eu há trinta e poucos anos atrás, escreveu ao Papai Noel dos Correios pedindo uma patrola no Natal.
Mateus, da Beira-Trilhos, foi mais sortudo do que eu. Não precisou esperar quarenta anos.