Superação tem sido a principal característica dos personagens que sinalizam os primeiros favoritos aos principais prêmios do cinema no começo de 2014. Robert Redford, em “Al lis lost”, é um velho marinheiro perdido em alto mar que precisa sobreviver a uma tempestade, entre outros problemas. É “O velho e o mar” de Hemingway turbinado ao estilo do público blockbuster. Sandra Bullock, em “Gravidade”, também está perdida, porém no espaço. Chiwetel Ejiofer perdeu sua liberdade em “12 anos escravo”, de Steve McQueen.
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Quem entra nessa relação é Tom Hanks e seu “Capitão Phillips”, em cartaz em Passo Fundo. E se for lembrado, é merecido. Hanks disse há pouco tempo que ainda espera que alguém lhe convide para fazer um filme de super-heróis um dia, e não para um papel secundário, mas com participação ativa. A ironia é que Paul Greengrass já faz isso, escalando Hanks como o capitão de um navio mercante que é sequestrado por piratas Somalis. A história é baseado em fato real, o que faz de “Capitão Phillips” uma repetição de temas na carreira de Greengrass. O diretor – que entregou A Supremacia Bourne e O Ultimato Bourne – dirigiu o tenso “Vôo United 93”, que tinha tudo para ser o típico filme feito para os sábados à noite na TV, mas é um exercício de tensão crescente louvável, principalmente quando o público já sabe como vai ser o fim da história. Greengrass escapou de armadilhas possíveis no filme privilegiando suas personagens. Em “Capitão Phillips”, consegue unir o melhor de duas características bem peculiares: o ritmo – baseado em planos rápidos, cortes secos e câmera na mão, típicos dos filmes que dirigiu na série “Bourne” – e o estilo documental. Dá certo. Muito certo.
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Greengrass começou dirigindo documentários e aprendeu que quanto mais forte for o pacto estabelecido pelo público com as personagens – e não só os protagonistas – mais intensa será a participação do público com o que vê em tela. Em “Capitão Phillips”, Greengrass nos apresenta o personagem de Tom Hanks sem usar de recursos baratos de linguagem (o público aprende que o capitão é reservado, metódico, exigente e acostumado a decisões difíceis sem que ninguém precisa dizer nada – e uma conversa no carro no início do filme dá pistas sobre o que ele deverá ter mais à frente para superar a situação em que vai se encontrar), mas ao mesmo tempo nos apresenta Muse e seus somalis, evitando juízos baratos típicos dos filmes de ação norte-americanos. “Capitão Phillips” tem uma tensão crescente que se apoia no fato de que o público, de certa forma, não olha para os envolvidos dos dois lados como meros objetos narrativos. Ao dar motivos e transformar seus personagens, mesmo os piratas, em seres humanos com nome, personalidade e motivos, amplia o significado de qualquer mínimo evento que ocorre em tela. O público agradece.
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E Hanks, finalmente, volta a fazer um grande trabalho no cinema. Desde “Náufrago” Hanks não entregava um exercício de interpretação que, mesmo sem ser genial, pode ser extremamente complexo. Seu personagem varia entre o recluso, metódico e inflexível capitão que enfrenta os piratas que invadem seu barco até o homem que surge por baixo da armadura e reflete toda a tensão que vinha passando, cedendo ao desespero e revelando-se, assim, humano. Grande interpretação.
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E foram divulgados os concorrentes ao próximo Oscar de efeitos visuais, a ser entregue em março. São 10 candidatos, mas a impressão é que todos os outros nove (incluindo os ótimos efeitos de “O Hobbit – A Desolação de Smaug” e “Círculo de Fogo”) estão lá apenas para cumprir tabela e aplaudir a entrega do prêmio para “Gravidade”.
Que, aliás, ainda não estreou por aqui. Logo, logo, chega em DVD.