Coluna: Para quem não quer ler

Por Paulo Betancur

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Escritor, crítico, oficineiro (de criação literária, redação criativa e leitura para além da leitura mais elementar), palestrante, assessor editorial, consultor e, principalmente, leitor, dói-me ver o quanto a leitura não interessa a... praticamente ninguém!
Dói-me porque à medida que amadureço percebo o quanto tenho de dar descontos para aqueles com quem falo, o quanto tenho de tratá-los como se os subestimasse, o quanto praticamente não tenho interlocutores no mundo natural.
Pelo fato de ler torno-me uma pessoa diferenciada (portanto, “diferente”, isto é, estigmatizada) da maciça maioria dos meus vizinhos, parentes e, até, pasmem!, dos amigos. Naturalmente, amigo é eleição do afeto, mas não apenas do afeto, que um coração quer, sim, ser inteligente. E então acabo estabelecendo laços de amizade com gente que lê: minhas possibilidades de encontrar amigos, desta forma, são reduzidas. Tenho poucos amigos, bem poucos.
E dos poucos amigos que tenho, quais os que lêem tanto quanto seria desejável? Metade da meia dúzia de amigos que possuo. A outra metade continua amiga porque os vínculos são antigos e não se dissolvem facilmente. Mesmo assim, há ciclos em que fico um ano sem falar com um amigo. Com quem? Ora, óbvio que é com aquele que não lê. Os que lêem sempre estão escrevendo e-mails, telefonando, tendo assuntos importantes ou interessantes para comentar, para solidificar ainda mais a amizade – mesmo que ela tenha se estabelecido em nossas vidas há pouco tempo. Nossos hábitos e vícios de leitura nos fazem mais próximos e menos estranhos uns dos outros; com os amigos que não lêem, o tempo nos ameaça, a cada ano, em tornar-nos apenas memória do que poderia ter sido e não foi.
Essa reflexão inicial serve de ilustração particular para dois fatos, graves.
Primeiro, a recente pesquisa nacional que aponta o índice de leitura do brasileiro de 1,7 livros/ano (imaginemos, para simplificação de cálculo, um livro de 170 páginas, ou seja, um livro de porte médio: uma página a cada dois dias se o ano tivesse 340 dias. Como tem mais, é menos que meia página por dia. Mas vamos arredondar para meia página, bem “cheia”... Considerando que uma página lida com extremo vagar leva dez minutos (logo, meia página levaria cinco), assim o alfabetizado brasileiro estará – está! – dedicando 1/288 avos do seu tempo para instruir-se, dar combustível, ferramenta, remédio, estímulo a sua mente. O que, convenhamos, trata-se do mais completo abandono à indigência cultural. É questão, sim, de saúde mental. E urgente.
O segundo fato provém das constantes visitas que faço a escolas e feiras de livro pelo estado do Rio Grande do Sul. Ah, e não esquecer que a média do estado é a mais alta do Brasil. Mas, confesso, ignoro esse número e sei que não vale a pena buscá-lo aqui, porque na prática ele em nada muda o quadro desolador.
Após uma hora e meia de palestra – de um papo no qual invisto toda a descontração, franqueza sem severidade, em que realizo uma autêntica apologia ao ato de ler, em que brinco, em que faço rir, em média, metade da platéia –, o resultado é: 70% de silêncio, nenhuma pergunta; 20% de perguntas totalmente inócuas, tipo com quem moro, se tenho filhos, quantos livros publiquei, se estou rico, para que time torço; 9% perguntam se eu já não pensei em outra profissão, confessam que ler é chato, difícil, que escrever é trabalhoso demais e... é melhor parar por aí.
Pois tem mais: e o 1%? O 1% cabe aos professores, aos trabalhadores da rede educacional que, acompanhando as turmas e organizando as feiras, permanecem mudos quase todos e um que outro gato pingado apenas se manifesta para se queixar, geralmente pedindo socorro, coitado, ao escritor aqui, quem sabe um mago, um visionário, com a resposta para transformar a realidade amarga de um país sem lustro.
Os organizadores de tais eventos, assim que me despeço, derramam-se, gentis, em elogios e agradecimentos. E, imagino, quando vou embora voltam ao ritmo de sempre: dão esporro nos estudantes, que não demonstraram preparo para receber o escritor, e sacodem a cabeça como querendo dizer “esta geração não tem jeito mesmo!”, enquanto olham o relógio, preocupados de fato com a janta e a novela das oito.

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