Por Fábio Rockenbach*
Quando foi lançado nos cinemas, Gravidade, novo filme de Alfonso Cuarón – responsável por um belo filme que muitos não lembram chamado Filhos da Esperança – conseguiu alguns feitos que repercutiram na época: durante várias semanas, teve 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, site que reúne opiniões dos principais críticos de cinema do mundo (hoje, o filme mantém 97% de aprovação). James Cameron, diretor de Avatar, ao sair da premíere do filme, anunciou exaltado a quem quisesse ouvir que era “o maior filme sobre o espaço na história do cinema”. O filme de Cuarón também é apontado como um dos favoritos aos principais Oscars na cerimônia de 2014 e tem, segundo opiniões entusiasmadas, o melhor uso da tecnologia 3D desde o próprio Avatar.
Foi lançado na metade de outubro no Brasil. Dentro de duas semanas, será lançado em DVD nos Estados Unidos – foi lançado na Alemanha há 3 dias. Em breve chega no Brasil, também em Blu-Ray.
Pois então, três meses depois, um dos mais badalados filmes do ano chega aos cinemas por aqui...
Deixando de lado o esquecimento destinado a Passo Fundo no lançamento, Gravidade é o triunfo da arte sobre a tecnologia, porque prova que mesmo apoiado em absoluta técnica, ainda existe um diretor e artista por trás de toda a criação. Essa ideia se comprova a partir da informação de que o filme foi gravado quase inteiramente em estúdio, diante de uma tela verde para inserção de cenários e efeitos em CGI. Cuarón, célebre por fazer brilhantes planos-sequência – aqueles longos planos sem corte – faz de Gravidade, praticamente, o contrário da maioria dos filmes: enquanto normalmente eles são movidos pelo corte e, aqui e acolá, podem conter um plano-sequência, aqui o diretor transforma seu drama espacial em uma série de planos-sequência interrompidos por cortes em determinados momentos.
Mas, ainda que movido pela tecnologia, a história da astronauta (Sandra Bullock) que, após um acidente no espaço, encontra-se à deriva e sozinha, sem comunicação nem apoio, perdida no espaço, fala mais sobre espírito humano do que a rala sinopse pode indicar. É o tipo de filme que, numa segunda revisão, provavelmente mostre que Cuarón faz mais do que movimentar atores de forma ininterrupta em torno de uma ação imaginária, mas que constrói sentidos de forma subliminar conversando conosco sem que percebamos... ou, justamente, porque temos a capacidade de perceber as coisas. Isso é respeitar o público. Cuarón permite que o público acompanhe o drama de sua protagonista de forma quase literal e fala conosco de forma subliminar, nas entrelinhas, nos permitindo absorver a trama e raciocinar sobre ela. O drama humano passa do individual ao coletivo. É uma daquelas histórias que, sem nos darmos conta, nos pega de um jeito que nós nos vejamos inconscientemente segurando o tecido da cadeira ou contorcendo o pé de tensão...
Talvez a edição de som e a trilha sonora sejam os elementos mais subestimados, para o grande público, e ainda assim os que mais se destaquem no espetáculo técnico promovido pelo diretor. Cuarón usa o som – ou a ausência dele – para falar ao público. Sem som no espaço, imergimos apenas naquilo que a protagonista ouve. O silêncio chega a ser perturbador e inquietante, até nas cenas de destruição - e aí, a trilha sonora magistral de Steven Price, que merece o Oscar, é realçada: batidas secas, surdas, e assim como o som, ela parece não reverberar no vácuo. Ela é uma das coisas mais perfeitas em termos de interação imagem-som que já vi em muito tempo, plenamente consciente do seu papel de apoio, e só solta suas amarras de forma climática na emocionante cena final. E então, olhando para trás, percebemos que ao longo do filme Cuarón compõe uma interessante metáfora sobre renascer para a vida (a busca pela proteção do ventre materno, materializada pela desesperada busca por segurança nas pequenas cápsulas espaciais) e, no nascimento, de reaprender a caminhas e ter uma segunda chance. Sobre como coisas muito simples, como sons cotidianos, podem ser uma benção. Sobre como a vida é o maior dos presentes.
Falta espaço para falar sobre Gravidade. Programa maravilhoso para o final de semana, e que merece a tela imensa e a escuridão de uma sala de cinema.
*Professor do curso de jornalismo da UPF, colunista de ON no SEGUNDO dos finais de semana e co-fundador do Grupo de Estudos em Leitura e Interpretação de Imagens da UPF