Mostrar, contar, vender. Tais verbos não são novos no Brasil. Desde muito, são carregados junto com a história do país. Mascates, ambulantes e tropeiros foram os primeiros a mostrar algum tipo de esforço, boca a boca, para vender um produto. Depois deles, surgiram os panfletos anunciando serviços. Logo mais, as vendas por telefone. No país, a propaganda corre lado a lado com o sangue. Mas como, de fato, ela acontece?
Essencialmente, o papel da propaganda é colaborar na difusão de ideias. O primeiro passo para entender como ela funciona é entender que difundir uma ideia não é fácil. Há diferentes opiniões de quem constrói a publicidade e há diferentes opinião por parte de quem a recebe. Estabelecer uma forma de contato entre ambas as partes é o ponto chave. Mergulhando no universo da publicidade e propaganda, o Segundo Caderno visitou o Núcleo Experimental de Publicidade e Propaganda da Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade de Passo Fundo e conversou com a supervisora geral Maria Goreti Betencourt. Há 17 anos trabalhando com alunos e profissionais, ela destaca que o trabalho não é feito só de criatividade. É preciso pesquisa e estudo.
Um exemplo, por favor
Para compreender melhor como nascem as peças publicitárias, aproveitamos o lançamento da campanha de Pós-Graduação da UPF. A primeira vista, tudo é muito simples: um origami acompanhado da frase “Transformar faz parte do seu papel”.
O que há por trás de toda essa simplicidade é o que faz publicitários e estudantes perderam parte do sono durante alguns dias. “Quando se cria uma campanha publicitária, o ideal é que exista um objetivo”, inicia Goreti. No caso da Pós-Graduação, foi pedido que a campanha atingisse os dois módulos propostos pela universidade – o lato sensu e o stricto sensu -, ou seja, o voltado para o mercado de trabalho e o voltado para a academia. “O objetivo dos dois em alguns momentos se aproximam, mas existem peculiaridades. Recebemos a demanda e precisávamos criar uma ideia que pudesse conversar com esse público amplo”, comenta a supervisora.
Público amplo e proposta ousada: não bastava, simplesmente, vender uma especialização. Era preciso vender a proposta de aliar o conhecimento já existente com a inovação de uma nova fonte de estudo. Objetivo recebido, o Nexpp se reuniu em volta de uma mesa. “Quando se faz uma campanha se inicia pelo brainstorm. Ou seja, é uma ideia coletiva. Cada um pensa em alguma coisa e discutimos coletivamente. Não é a ideia de uma pessoa, mas algo coletivo. Esse é o primeiro passo: construir uma ideia a partir de um objetivo”, explica. Depois de construída a ideia é que se parte para os desdobramentos.
Nessa discussão coletiva, surgiu a ideia de utilizar um origami japonês – figura ou forma criada a partir de dobras de papel, sem uso de cola ou cortes de tesoura. A dúvida partiu, então, sobre qual origami usar. “Escolhemos o tsuru. É um pássaro da família das cegonhas e existem algumas lendas por trás dele”, comenta. Entre as histórias contadas, o tsuru é o ícone das pessoas que nunca envelhecem e símbolo da longevidade. O que guiou a campanha, no entanto, foi a história de Sadako Sasaki.
Um menina e mil tusurus
Quando tinha dois anos de idade, Sadako precisou fugir de onda morava. A bomba atômica atingia Hiroshima, destruía uma cidade e deixava marcas que seriam lembradas para sempre. Ainda que não tenha sido atingida de forma direta, Sadako passou pela chuva radioativa. Aos 12 anos, durante uma aula de Educação Física, a menina desmaiou. Levada ao hospital, foi diagnosticada com o que chamavam de Doença da Bomba – que é, na realidade, câncer.
Pouco tempo depois, Sadako recebeu a visita de Chizuko Hamamoto que, além de levar um origami de tsuru, contou sobre uma lenda que prometia um pedido atendido pelos deuses Àquele que fizesse mil tsurus. “Ela imaginou que se ela fizesse isso, ela poderia pedir a saúde. No meio disso tudo, ela se deu conta que a doença dela não era culpa de alguém, mas culpa da guerra. E ela começou a pensar, mesmo enfraquecida, que ela poderia pedir pro tsuru que não houvesse mais guerra, para que outras crianças não sofressem com isso. Ela começou a escrever, então, nas asas do tsuru que construía ‘paz’”, conta Goreti.
Sadako conseguiu construir 646. Mobilizados, os colegas construíram outros 354 e colocaram junto ao túmulo da menina. Depois disso, mais de três mil escolas e 9 países se mobilizaram para arrecadar fundos e construir o Monumento das Crianças à Paz que homenageia a menina. Toda a história de Sadako inspirou a publicidade. “Resolvemos usar a história dessa menina, que acabou criando uma relação de solidariedade a partir da doença dela, – algo que ela não teve culpa nenhuma. Mesmo doente, ela não pensou apenas nela. Ela se desdobrou e pensou que a doença dela não precisaria se replicar”, explica Goreti.
E a campanha?
Apesar de ser bonita, a história, aparentemente, não tem nada a ver com a proposta inicial. Aparentemente. Goreti explica: “Quando você faz uma pós-graduação, você tem que transformar o conhecimento que você já tem em um projeto mais amplo – algo que parte de ti, mas que é direcionado para a comunidade” inicia. Ela continua, focando, agora, na frase escolhida para estampar a campanha: “Ao lado do origami, colocamos o slogan: ‘Transformar faz parte do seu papel’. Ou seja: o papel é a base do origami e transformar o papel é dar vida a qualquer outra coisa”.
Imagem e frase explicadas, agora é só unir as duas coisas. “A ideia é mostrar que a partir das tuas bases, você pode transformar e construir outras coisas. O pássaro não está ali porque quero vender um pássaro. Ele está ali porque tem um significado. E, com o texto, acaba fazendo sentido. As pessoas não precisam conhecer a história toda. Quando alguém olha a imagem e lê o texto, alguma coisa já ganha significado e passa a fazer sentido. Esse “fazer sentido” é muito importante na publicidade”, enfatiza Goreti.
Depois da história, o trabalho
Identificado o objetivo do cliente, a equipe parte para o brainstorm. Desse brainstorm, surgem ideias, histórias, possibilidades. Determinado o caminho, basta sentar em frente ao computador e trabalhar. Não basta apenas ter a proposta na cabeça, se ela não ganhar vida na imaginação de outras pessoas. “É preciso de um texto. O setor de redação publicitária produz um texto que esteja relacionado com a metáfora e com a proposta do que está sendo vendido”, comenta Goreti.
Tendo o texto, é preciso partir para as peças. “A ideia tem que ganhar vida no bidimensional. Vira cartaz, outdoor, empena e folder. O setor de Criação é quem transforma isso. Exige um principio de matemática, estudo de cor e análise semiótica.”
Peças criadas, acontece a avaliação final. Se excluem os excessos e se acrescenta o que falta. “Depois disso, a peça é apresentada ao cliente e acontece toda a explicação do que foi colocado ali”, explica.
Sucesso!
Outro fator importante, destacado pela supervisora, e que interfere diretamente no sucesso da peça é o público a que ela se destina. “Toda a propaganda depende do público alvo. A publicidade não vende o produto, mas vende ideias”. Logo, é preciso criar um vínculo com a mente de um possível cliente. “Publicitários vendem aquilo que está agregado ao produto que é, na realidade, o que o ser humano quer. O publicitário conversa com o interior do sujeito e com aquilo que ele quer de verdade”. Nessa relação de apresentar aquilo que, intimamente, o ser humano deseja é que se rejeita a ideia de simplesmente lançar preços. “O uso das metáforas é muito importante. A propaganda mais interessante é aquela que permite que tu imagine e crie um vínculo com o que está sendo apresentado”, conclui.
Como funciona no Nexpp?
Todo o processo que Maria Goreti explicou é o processo normal de uma agência de publicidade. O Núcleo Experimental, no entanto, tem uma diferença: a presença de alunos. “O núcleo faz parte do curso de Publicidade e Propaganda, então os alunos exercitam as atividades que aprende teoricamente. O trabalho desenvolvido aqui é um trabalho que vai para fora da Universidade também. Então há profissionais formados trabalhando lado a lado com os estagiários. No Núcleo, se aplica na prática aquilo que a sala de aula oferece”, acredita. Ao todo, são três professores, sete profissionais e oito estagiários. “Todo mundo funciona junto. A ideia nasce e depois, cada um, dentro da sua característica começa a trabalhar”.