Coluna: Eles estão chegando

Por Pablo Morenno

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Sabia, chegariam. Mas não tão cedo, sem aviso. Odeio surpresas, sou calculista, gosto de organizar as coisas, preparar-me. Esqueci o conselho “vigiai e orai, não sabeis o dia nem a hora”. Não quis parecer obsessivo, vim levando a vida. Saber, sabia. Já falei. O problema é a hora da chegada. Chegassem à hora da janta, justo. Não no café da manhã.

Se eu tivesse vindo mais devagar, me preocupado menos. Se tivesse uma vida mais folgada, menos estressante ... Se fosse mais rico ou tivesse feito ioga, tomado vitaminas. Quem sabe se tivesse outra profissão, se morasse no campo... Suposições. Jamais poderei verificar, empiricamente, ante a impossibilidade da volta. Eles estão aqui e pronto. É inevitável a chegada de todos. Acostumar-me, relaxar e manter a discrição que pedem; isso eu faço.

Não posso dizer que não sinto um pouco de medo. Acho sinal de extrema fragilidade para quem tem utopias e sonha transformar o mundo. Como um transformador do mundo pode ser alguém, se não tem o mínimo controle sobre eles em si mesmo? O medo vem dessa falta de controle, saber-se impotente, em sentido amplo. Eles chegaram para jogar-me a realidade na cara, tirar-me a arrogância, dar-me, quem sabe, um pouco de sensatez. Pressinto. Passei a selecionar os sonhos, a valorar novamente os planos, a administrar a fertilidade da imaginação. O medo não é deles, propriamente, mas do anúncio subliminar.

Não sei dos sentimentos do fruto quanto o amido interior começa a transformar-se em açúcar e o verde do exterior vê chegando as cores mais vivas da maturação. Não sei dos sentimentos do trigo ao firmar seu tegumento, nem o que experimenta o milho ao amarelar a palha. Sei o que sinto quando os vejo em mim. É um temor tímido, uma ansiedade gorda, uma indisfarçável pitada de angústia.
Procuro no passado algum paradigma: adolescência. Também eram eles ocupando meu corpo onde nunca estiveram. Diferente era o orgulho, e a cor, lógico. Angústia e ansiedade eram iguais. Pretos, traziam consigo os hormônios; brancos, anunciam a hora de retomá-los. Talvez meu medo seja esse. Ou será o de parecer um leproso, como são tratados no mundo aqueles que os têm abundantes?
Não sei se vou mimetizá-Ios ou deixá-Ios à mostra. Em alheios, parecem menos trágicos. Quando criança, para meu avô combinavam. “Vô, você tem cara de Deus!” Meu irmão mais velho recebeu-os bem antes de mim. Não sei se vou fantasiá-los com um capuz como os carrascos nas execuções. Talvez, não. Talvez, sim. Sei lá. Dúvidas. Por enquanto são poucos, quase invisíveis.

Desculpe-me se pinto um drama inútil ao invés de pintá-los, se não sou homem o suficiente para aceitá-los, se lhes dou importância indevida. Possivelmente seja uma tempestade em copo d’água, um tornado em bolha de sabão. Mas não consigo e não posso tirá-los da cabeça.

Minha mulher tentou agradar-me, “logo parecerás Richard Gere com todo o charme”, embora eu saiba, sem dinheiro e fama. Essa ideia me convenceu a não testar tinturas, ainda, nem arrancá-los à força. Há três ou quatro semanas, ficar parecido com Richard Gere tem sido um razoável argumento para aceitar os fios de cabelo branco que estão chegando.

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