Por mais produtivo que seja um diretor de cinema, não se faz bons filmes a toque de caixa. Cinema, de verdade, envolve tantos sentidos - demanda tanto trabalho artístico na tradução de significados em imagens, depende tanto de um bom roteiro e um bom trabalho de câmera, exige tanto de sua pós-produção, de trabalhar o som, de pensar a interação entre música e imagem - que, como toda obra de arte, depende também de tempo.
Vejam o caso de alguns bons diretores brasileiros: Cao Hamburguer demorou seis anos para lançar “Xingu”, após o ótimo “O Ano em que meus pais saíram de férias”. Seis anos, e por mais que haja o fator “busca por recursos” envolvido, ele não é definidor, sozinho, desse espaço de tempo.
Heitor Dahlia (de “Serra Pelada”), ainda que tenha “ligado” dois filmes em 2012-2013, lança, em média, um filme a cada três anos. Sandra Werneck lança um filme a cada cinco anos: é o tempo que separa “Cazuza” de “Sonhos Roubados”. Beto Brandt, um dos grandes diretores brasileiros dos últimos dez anos, precisa de um hiato de dois anos para lançar um filme, o último foi “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”, em 2011.
Agora compare com dois nomes de uma recente “onda” do cinema nacional, que eu já comentei brevemente aqui: Daniel Filho, entre 2004 e 2010, lançou um filme por ano. Alternou dramas de época com cinebiografias e comédias. Principalmente, comédias. Roberto Santucci (quem?) é pior: o diretor tem o mérito discutível de lançar DOIS filmes por ano. Das mãos do diretor sai um filme a cada seis meses, incluído nesse tempo a pré-produção, as filmagens, edição e pós-produção. É uma máquina, em todos os sentidos. É o responsável por alguns dos maiores sucessos do cinema nacional dos últimos tempos, que instauraram a terrível moda das continuações baratas - o padrão Globo Filmes de cinema barato e rápido que tem matado o cinema nacional. Santucci é diretor de “De Pernas pro ar” (1 e 2), “Odeio o dia dos namorados” e “Até que a sorte nos separe” (1 e 2). Prepare-se, porque “De Pernas pro ar 3” está com lançamento previsto para o ano que vem.
Resta pouco a dizer para explicar a comparação entre os dois grupos de diretores. O poder da produtora não se revela apenas nos recursos usados para filmar produções de um suposto cinema - suposto, porque nada mais são do que emulações de longos episódios de séries de comédia exibidas durante a semana após a novela. Ao nivelar por baixo a qualidade do que leva às telas do cinema, faz parte do estrago que tem ajudado a diminuir o número de bons filmes brasileiros que chegam às salas de exibição. Ela nivela por baixo, também, o nível de exigência do público, nivela por baixo seu próprio nível de exigência (as pessoas gostam, é fácil de fazer, fácil de ver, foi aprovado na TV, vai render dinheiro, toca ficha!!!) e toma conta do parco espaço para exibição de filmes nacionais no mercado nacional. Poucas salas exibem filmes nacionais, e quando exibem, têm agora a pressão e a influência da toda poderosa platinada.
Por razões como essas “O som ao redor”, um dos melhores filmes brasileiros em décadas, não foi exibido em Passo Fundo.
Assim como “Uma história de amor e fúria”, “Febre de rato”, “Raul, o início, o fim e o meio”, etc, etc, etc. A predileção por esse tipo de “filme”, sem nenhum mérito estético ou argumentativo, faz parte também desse processo preocupante que tem mostrado cada vez mais a falta de exigência de grande parte do público com o cinema, a música, a literatura e a própria televisão. Não condeno quem gosta dessas comédias rápidas e gasta seus 20 reais para assisti-las na tela grande, a opção é de cada um. Eu LAMENTO quem não exige mais de si mesmo e se deixa levar pela enxurrada de mediocridade que tem assolado parte da “cultura” do nosso país.