Coluna: Para ser um escritor

Por Celso Sisto

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O exercício da escrita, ainda que se torne uma atividade profissional, será sempre um ofício artesanal. Deixamos a pena, ficamos dependentes do computador. Mas a escrita continuou exibindo sua fragilidade, vulnerabilidade e dependência de uma série de domínios (habilidades?), que também não servem para garantir a qualidade do que vai ser escrito.

Todo mundo pode escrever, mas para ser um escritor de literatura é preciso algo mais. Estou convencido de que só se pode ser um bom escritor sendo primeiro um grande leitor! Como venho da literatura infantil, devo dizer: escrever para criança exige uma grande bagagem de leitura, sobretudo da própria literatura infantil, principalmente das obras canônicas, assim como é preciso estar reconciliado com a sua própria infância, dentre outras necessidades.

Ouço com frequência, desculpas que vão da (falsa) facilidade de escrever para crianças à necessidade de ser útil e edificante. Ninguém se lembra de argumentar sobre a necessidade de originalidade ou de considerar a literatura um trabalho de linguagem! E a técnica serve exatamente para isso. Também para assinalar aquilo que não se deve fazer. Uma escrita extremamente técnica também não funciona. O leitor não é conquistado para a obra quando ela soa “técnica demais, fria, distante”. Portanto, transformar a escrita em arte não é tarefa simples!

Gosto de pensar que o escritor tem como matéria prima “a desgraça e o absurdo da condição humana”. Isso gera interesse, causa impacto, permite ao leitor continuar lendo uma obra. Mas eu também poderia dizer isso de outra forma: é necessário fugir do óbvio. E o óbvio é muito mais persistente e reincidente do que a gente imagina.

Tenho sido levado a acreditar que o que faz de verdade um escritor é concentração, uso da memória, experimentação da linguagem, abordagem criativa do tema, ousadia na montagem da trama.

Também sou forçado a admitir que o escritor pode ser formado ou se aprimorar ao longo do caminho, mas se ele não souber dar “o pulo do gato”, será apenas mais um escrivão e não um artista da palavra.

Posso traduzir “pulo do gato” por “algo mais” ou qualquer outro termo. O que precisamos aprender, mais do que tudo é a descobrir situações que desencadeiem o nosso poder de criação, que instiguem a nossa criatividade, que nos ajudem a desentranhar a história que está oculta nas coisas.
Mas o escritor é aquele que aprendeu também a ter uma disciplina, a escrever mesmo quando não tem ideia ou vontade, a fazer perguntas ao texto o tempo todo. Se deixarmos para começar só quando a história estiver pronta e dominada, pode ser que nunca mais saíamos do lugar.
A estudiosa da literatura Marthe Robert diz que o escritor acumula as funções de sábio, sacerdote, médico, psicólogo, sociólogo e juiz. De todo modo, na minha área, o candidato a escritor costuma falhar na saída: seus conceitos de criança, infância e literatura (vá lá, com adjetivo!) infantil deixam a desejar.

Escrever, você até pode escrever o que quiser, mas daí a querer ser publicado, é outra história. O escritor tem a obrigação de saber o que dele pode ou não ser compartilhado. Portanto, perseverança é a palavra-chave de qualquer escritor.

Com isso, penso nos critérios assumidos pelo poeta Wallace Stevens para atestar a qualidade de uma obra de ficção: ela deve mudar (o leitor), deve dar prazer e deve ser abstrata (no sentido de se distanciar do lugar-comum e revelar uma “magia oculta”). Isso é tudo! Pra que mais?!

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