É bem possível que Hitler não aprove esta crônica. Darwin também pode se sentir incomodado, mas esse eu entendo. Cronista escreve para provocar, não para agradar gregos e troianos. Imaginem que vou perder o sono por Hitler ou Darwin.
Apenas perco o sono por alguém a quem amo, por exemplo meu filho. Perco o sono e às vezes meu tempo (se é que o tempo com filho pode ser perdido) vendo filmes fora da minha lista. Por meu filho, fui ver Frozen, crônica da semana passada. Também por ele, fui ver “Caminhando com os Dinossauros”.
Praticamente “obrigado” a ver esses filmes, sob pena de “cadeira do pensamento”, tento assisti-los com olhos de cronista. Cato metáforas, metonímias, hipérboles, e outros palavrões subliminares.
“Caminhando com os dinossauros” resgata algumas máximas humanas e pouco científicas. Tão humanas que estão nas histórias infantis desde sempre. Por exemplo, “O Patinho Feio”, de Andersen.
Patchi é um frágil filhote de paquirinossauro. O menor da ninhada, raquítico, com cor de icterícia. Para completar a desgraça, foi atacado por um predador na infância. Salvo, antes de virar comida, restou-lhe a cicatriz da sobrevivência: um buraco no leque, ou orelha atrás da cabeça. Com esse perfil, só podia mesmo sofrer bullying, perder o grande amor e , ainda, ser preterido pelo irmão fortão na liderança da manada. Tudo conforme o destino.
Num momento da história, sua estrela brilha, e ele ressurge para a ovação pública. A primeira tentativa é usar a inteligência: salva a manada da morte num lago gelado. Final desastroso. O irmão se sentiu desafiado, deixou-o novamente para papinha dos predadores. Quando estava quase se entregando à morte, Patchi encontra uma força íntima, e se salva. Tendo sobrevivido ao rito de quase-morte, está pronto para a glória, diriam alguns pastores. Na segunda tentativa, a manada se dirige para uma emboscada dos terríveis tiranossauros. E sabe qual foi o golpe secreto do Patchi, o Davi dos paquirinossauros? Utilizar aquele defeito, o buraco na cabeça, para prender ali uma pata dianteira do inimigo (olhe uma foto no Google e vai ver que o tiranossauro tinha uma patinha menor na frente), dar um giro rápido, e quebrá-la. O tirano Golias cai como uma casa infestada de cupins. Com seu líder ferido, Tiranossauros fogem acovardados.
Resultado disso? Patchi se torna o líder do grupo, reconquista o amor da vida, e segue feliz para sempre.
Pensando nesse “defeito” que salva, me lembrei de alguns exemplos humanos famosos.
John Nash,matemático norte-americano e criador do ‘Equilíbro de Nash’, foi diagnosticando, em 1959, com esquizofrenia paranóide. Em 1994, ganhou o Prêmio Nobel de Economia. O filme ‘Uma mente brilhante’ retrata sua história de vida.
Stephen Hawking, um dos cientistas mais admiráveis destes tempos, foi diagnosticado com esclerose aos 21 anos.
Oprah Winfrey nasceu em uma família desestruturada: os pais eram separados e pobres. Sofreu com abusos psicológicos e físicos, até mesmo sexuais.
Louis Braille tinha apenas três anos quando um acidente na oficina de seu pai o deixou cego. Foi internado no Instituto de Cegos de Paris e começou a se incomodar com a limitação dos deficientes visuais. As dificuldades fizeram com que ele desenvolvesse um alfabeto feito com pontinhos em relevo.
Albert Einstein, conhecido pela famosa teoria da relatividade, era tímido, retraído e tinha dificuldades na fala e no aprendizado quando criança.
Exemplos nacionais: Rui Barbosa tinha complexo por ser baixinho; Machado de Assis era gago, saúde frágil e epilético; João Chagas Leite, compositor e violista gaúcho, foi vítima da Talidomida afetando sua mão direita.
Se em boa parte da natureza, Darwin tem razão, quando explica que os melhores sobrevivem, com relação aos humanos, nem sempre a teoria da evolução se aplica. Devemos aos “defeitos”, físicos ou genéticos, muitas das conquistas da humanidade nas ciências, na arte, na música. Darwin, que me permita um aparte; Hitler, que use a página desta crônica para fazer fogo.