Um lugar de fantasia...

... Timbre conta poesia!

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Espetáculo infantil volta ao passado e questiona: no meio de tantas brincadeiras, qual o espaço da tecnologia?

Uma boneca de pano, um carrinho de madeira e cinco almofadinhas, batizadas de Maria. Bambolê, patins, skate. Pé no chão, mão no barro, corpo em cima de uma árvore. No fim da tarde, o grito da mãe chama para dentro de casa.

Nostalgia.

A cena descrita acima pouco se vê hoje. Na contramão da liberdade das brincadeiras da rua, dos brinquedos com possibilidades de imaginação e do suor de tanta correria, a calmaria de uma tarde passada em frente a uma televisão com um controle na mão e a canseira nos olhos de quem passa o dia na companhia de jogos no computador. No lugar de pega-pega, o bate-papo virtual, marcado por emoticons, pontos e vírgulas. Na medida em que a tecnologia teve o seu uso potencializado, as relações pessoais, o toque e a troca foram deixados de lado. Não por todos.

Para Aninha, Malu, Bartô e Joca a vida não está dentro da tela ou nos botões de um controle. Está, ainda, nas brincadeiras que exigem do corpo e da mente o contato com o outro. Juntos, sobem no palco e convidam o público para viver a aventura de resgatar um amigo perdido no universo da tecnologia. A busca pela essência de Betinho, um adulto preso no corpo de uma criança, é o que norteia o novo espetáculo do Grupo Timbre de Galo: Um lugar de fantasia, Timbre conta Poesia. Os quatro amigos decidem descobrir o porquê de Betinho não se entregar as brincadeiras e preferir ficar em casa, a frente de um computador. Insatisfeitos, tentam, através de brincadeiras e lembranças, reviver a infância dentro do amigo.

Ainda que seja um espetáculo infantil, a peça é indicada para todas as idades e é um verdadeiro mergulho no universo da criança. Com poesia e música, traz o retrato de uma infância que, pouco a pouco, se perde em meio a tanta tecnologia. O texto do espetáculo é de Flavio Guerrico e foi escrito em 1994, época em que os primeiros vídeo-games surgiam e atraiam a atenção das crianças. Crianças, essas, que cresceram e, hoje, adultos carregam nas mãos um smartphone e, dentro dele, a vida. A proposta do Timbre é pensar sobre isso. “Atualizamos um pouco o texto e trouxemos para o palco: achamos que existe pouca relação entre as pessoas. As pessoas estão no mundo virtual e perdem o contato do mundo real. Isso atinge, cada vez mais, as crianças. É criança com perfil na rede social, criança que não brinca na rua. Entendemos que existe a violência, mas será que não deixamos de lado esse mundo onde nós brincamos?”, questiona Edimar Rezende, ator que interpreta o líder da turma Bartô.

O barquinho que leva a um lugar
A Viagem de um Barquinho, último espetáculo infantil do grupo, estreou em 2010. Desde lá, o grupo se renovou, recebeu dois novos integrantes - Elenice Deon e Fabio Eduardo – e sentiu a necessidade de falar, de novo, ao público infantil. “Quando pensamos em um novo espetáculo tínhamos duas certezas: a primeira que seria um espetáculo infantil e a segunda que seria o Guedes Betho quem iria dirigir. Não sabíamos o texto e nem o que fazer, mas sabíamos que seria assim”, comenta Edimar. Guedes, que dirigiu O Bilhete, veio do Rio de Janeiro para ensaiar com o Grupo. Para Mara Cavalheiro, a Aninha – uma menina espivitada -, esse é um dos fatos que agregam ao espetáculo: “O fato de ele ser do Rio e estar no meio de grandes produções e grandes artistas e estar no meio da essência do teatro, para nós do interior é muito importante ter essa troca com ele”, destaca.

O diretor mergulha junto com o grupo. “É realmente uma parceria. Aceitei dirigir esse trabalho porque é o Timbre de Galo. Eu adoro o universo infantil e faziam 12 anos que eu não dirigia um espetáculo infantil. O texto me interessa. Nós adultos estamos criando um caminho que as crianças estão seguindo: nos comunicamos pelas redes sociais. Brincadeiras, pega-pega, jogar bola na rua é cada vez mais raro. Esse distanciamento me preocupa”, explica o diretor que questiona: “Até que ponto usamos a tecnologia a nosso favor ou contra? É uma bandeira de alerta. Dar um sacode nos pais ‘até quando?’”.

Alô, pais!
O grupo ressalta que o espetáculo é infantil, direcionado para crianças, mas está longe de ser infantilóide e busca, inclusive, a presença dos pais na plateia. “Os pais vão sentir a jogada das cenas. Na nossa infância não tinha essa coisa do computador, do videogame, da rede social. Nós, com 12, 13 anos, tínhamos uma outra relação de amizade e hoje em dia as crianças sabem mais que os adultos. Então até que ponto se pode deixar a criança ali, em frente a tecnologia, para que ela não incomode? No sentido cognitivo, os pais se enxergam no personagem que precisa ser resgatado: ‘será eu passei por isso? Será que meu filho vai assar por isso?’. Então o legado do espetáculo é essa mensagem: não somos contra a tecnologia, mas tudo precisa ser dosado. O que é demais é nocivo”, destaca Rodrigo Vilanova, responsável por interpretar Betinho.

Um espetáculo de referências
Depois de escolherem o texto, os caminhos foram apresentados e, pouco a pouco, o espetáculo se construiu. Juntos, fizeram as escolhas que serão apresentadas no domingo. “Tivemos uma preparação para ator: trouxemos brinquedos de casa, fazíamos atividades. Parecia uma pré-escola! A partir daí, partimos para a leitura de texto e cada um de nós foi se identificando com os personagens”, explica Fábio Eduardo, que interpreta o nostálgico Joca. Além de Edimar, Mara e Fábio, Elenice Deon dá vida a Malu, a mais contida da turma.

O universo de “Um lugar...” segue uma referência nordestina. “Nos alimentamos dessa cultura”, explica Guedes. Toda a musicalidade que acompanha a peça é de responsabilidade de Rafael Terres e Guilherme Souza. Além disso, o cenário é todo construído em cima das lembranças e dos brinquedos. Outro ponto importante é que o espetáculo foi pensado para ser apresentado em espaços alternativos como explica Edimar: “O espetáculo não vai se limitar ao espaço, não podemos nos restringir a um espetáculo que não possa ser apresentado fora do palco. A proposta é fazer ume espetáculo que a concepção do diretor seja atendida tanto com toda a estrutura do teatro, mas que, também possa ser feito em outros espaços”, conclui.

Mas, por enquanto, se começa com o palco do Teatro do Sesc, nesse domingo, a partir das 16h. Ingressos a R$ 20,00 inteiro, R$ 10,00 meia e R$ 5,00 para comerciários (disponíveis junto ao SESC).

 

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