O estudo da relação entre forma e função é habitual na arquitetura e em muitas artes. Até mesmo no moderno design de jornais o polonês Jacek Utko aplicou a máxima de que forma e função relacionam-se intimamente. De forma simplista é possível contestar as razões da forma adotada em “300 – A ascensão do Império” como ponto inicial na crítica à continuação do sucesso de Zack Snyder. Não vou me ater a uma grande crítica do filme, que tem arcos dramáticos dos personagens muito mal definidos e focos narrativos inacreditavelmente dispensáveis – falo do personagem Xerxes, de Rodrigo Santoro, e mesmo de Gorgo, rainha de Esparta, que parecem estar no filme para estreitar laços com o filme original, mas que poderiam perfeitamente ser substituídos por outros momentos dedicados a uma melhor construção dos personagens principais (Temístocles e Artemísia) porque suas contribuições relacionam-se mais a um background que justifique as ações desses dois personagens principais do que a qualquer importância estreita na narrativa principal. Xerxes comanda a invasão, Gorgo traz os espartanos, mas se isso fosse apenas mencionado, pouco mudaria no filme.
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Mas fico na questão estética: a justificativa para o visual adotado por Snyder no primeiro filme era emular a graphic novel de Frank Miller (não apenas no tratamento cromático, mas também há frames do filme idênticos aos desenhados por Miller). A justificativa do segundo filme é simplesmente repetir o que foi feito antes, como se unicamente o estético fosse capaz de unificar duas obras de concepções artísticas e narrativas diferentes. Não é. O uso da câmera lenta, no primeiro filme, enfatizava o quão avançados eram os 300 soldados de Esparta, mesmo contra os milhares de soldados persas. Era uma forma de dar credibilidade e verossimilhança a uma narrativa que pedia que o público acreditasse num fato que, historicamente, parece realmente ter ocorrido, mas que poderia soar exagerado no cinema. A câmera lenta ampliava esse foco das habilidade elevadas dos espartanos. Na continuação, ela é um mero recurso estético que é repetido à exaustão, tornando-se maçante já na metade do filme – e o sangue que jorra por todos os lados amplia o efeito do primeiro filme e se iguala ao que foi feito pela violenta série Spartacus na TV, durante três temporadas. Mas o exagero aqui também surge sem nenhuma base: em Kill Bill, de Tarantino, por exemplo, a justificativa era a aproximação do episódio em que esse recurso é usado com sua introdução, que se dava na forma de um mangá animado. Enfim, “300, a ascensão do império” é, para resumir, bonitinho, mas ordinário.
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Para melhorar um pouco o nível, vale a lembrança da exibição no TCM, na segunda-feira, às 22 horas, de “Maratona da Morte”, filmaço dos anos 70 com Dustin Hoffman. Aqui, o diretor John Schlesinger valoriza seus personagens ao extremo. Apesar de inserir em boa parte da trama um ritmo ágil, sem ser frenético, não pensa duas vezes antes de quebrar esse ritmo normalmente reconhecível em produções do gênero para acompanhar seus personagens com calma, como forma de nos colocar, aos poucos, a par dos acontecimentos, de “sentir” a trama e não apenas vislumbrarmos ela de longe. É o maior mérito de um dos mais sóbrios (e sombrios) thrillers de espionagem vindos dos anos 70, que explora a ferida aberta dos criminosos de guerra nazistas. Insere-se uma pitada de drama familiar aqui, uma porção de desmentidos e “nada é o que parece ser” ali, e está pronta a receita. “Maratona da Morte”, duelo de dois estilos de interpretação, é um thriller ao gosto dos anos 70, com características autorais. Pena que Schlesinger perdeu o rumo quando entrou nos anos 80 – aqui ele entrega um dos melhores exemplos de como inserir um estilo autoral em gênero que pode ser facilmente reduzido a ideias comuns.