De tempos em tempos, a instituição se renova, ganha um novo fôlego e investe em novos projetos. Na Academia Passo-Fundense de Letras não é diferente: Gilberto Cunha, eleito o novo presidente da APL no dia 14 de março, tomou posse na última terça-feira. Com uma equipe com outros doze nomes, o presidente é o responsável pelas ações da Academia para o próximo biênio. Ele é engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa, desde agosto de 1989 e, em 2001, ingressou na Academia Passo-Fundense de Letras. Mais tarde, em 2009, foi patrono da 23ª Feira do Livro de Passo Fundo. Gilberto é autor da série de livros Meteorologia: Fatos & Mitos (1997, 2000 e 2003), Cientistas no Divã (2007), Galileu é meu pesadelo (2009) e A ciência como ela é... (2011/obra finalista do Prêmio Açorianos de Literatura – 2012) e, atualmente, dedica-se à pesquisa em Agrometeorologia e sobre cultivo de trigo no Brasil. Agora, assume um novo desafio. As ideias, ao que tudo indica, apontam um novo rumo e uma nova forma de pensar. Em entrevista ao Segundo Caderno, Gilberto Cunha explicou como chegou até aqui, o que pensa sobre a Academia e o que espera da cidade. Leia!
O que o senhor entende por Academia, no contexto da cultura atual?
O nosso entendimento de Academia, no sentido restrito de instituições como a Academia Passo Fundense de Letras e similares, deixando de fora o ambiente acadêmico das universidades, cuja missão é a produção de conhecimento e a formação profissional, é de um grupo de pessoas, que comungam na crença do papel da cultura como fator de promoção do desenvolvimento e de inclusão social, apesar da diversidade de pensamento, formação acadêmica, credo religioso, ideologia política etc.. E nesse sentido, os membros de uma academia como a APL desempenham o papel de intelectuais públicos, cujas opiniões, num mundo de superficialidades, são cada vez mais necessárias, ainda que raras. A presença quase que diária dos membros da APL nos espaços de opinião dos veículos De comunicação da cidade (jornais, rádios e TV) não deixam dúvida quanto a esse tipo de atuação da APL. A cultura atual transcende os contornos do ambiente universitário, que, embora ainda detenha o monopólio da diplomação de estudante, não detém o monopólio da produção cultural como outrora. Assim é que entendemos a relevância das Academias tipo a APL, que se preocupam com a cultura local acima de tudo, mas sem perder o olhar universal.
Em Passo Fundo, cidade que é Capital da Literatura, abriga uma Feira do Livro há 30 anos e é responsável pela realização do Festival de Folclore, qual a importância da Academia de Letras?
Nenhuma instituição chega aos 75 anos de existência sem ter tido relevância. Desde 1938, que a Academia Passo-Fundense de Letras tem participado ativamente da vida cultural, social e econômica de Passo Fundo. Dos quadros da APL sempre fizeram parte pessoas preocupadas com a cultura local acima de tudo, mas sem perder de vista o a perspectiva do desenvolvimento social e econômico de Passo Fundo. Muitas das iniciativas que hoje estão materializadas em nossa comunidade começaram a ser gestadas em reuniões dentro da Academia Passo-Fundense de Letras. A Academia propiciou o ambiente humano para essas discussões, como atestam as atas das reuniões da época. São exemplos: a criação a Universidade de Passo Fundo, do CTG Lalau Miranda, do Complexo Turístico da Roselândia, da Biblioteca Pública Municipal, a própria Feira do Livro mencionada, entre tantos outros. É evidente que esse passado trouxe a Academia até os dias de hoje, mas não assegura o seu presente e nem garante o seu futuro. Indiscutivelmente, a APL faz parte da vida cultural de Passo Fundo e, em função de toda a agitação cultural que mobiliza a cidade, mais necessária e justificada se faz. O trabalho da Academia é diferente das outras iniciativas. Não se sobrepõe. Complementa e amplia as demais, acima de tudo, por incluir e divulgar o trabalho de escritores locais que estão à margem do mercado editorial e do mundo acadêmico das universidades/faculdades. Em certos aspectos, cria um espaço cultural mais democrático, quando não se limita aos muros da instituição. Diferentemente do que muitas imaginam, a Academia é plural e não elitista.
Para a gestão 2014-2016, qual o pensamento da Academia? Quais as propostas da nova direção para o ano acadêmico?
A direção que ora assumiu Academia Passo-Fundense de Letras dará seguimento ao trabalho que vinha sendo realizado pela diretoria anterior, sob comando do acadêmico Osvandré Lech. Na verdade, trata-se da continuidade do trabalho da gestão anterior, na qual tivemos o privilégio de ter sido vice-presidente. Nesse sentido, já estamos envolvidos com a III Semana das Letras da Academia Passo-Fundense de Letras, que vai ser realizada de 7 a 11 de abril, em parceria com a Secretaria Municipal da Educação e com o apoio da 7ª CRE, SEDEC e Projeto Passo Fundo de Apoio à Cultura. Também devemos concluir o projeto da diretoria passada de construir um monumento em alusão aos 75 anos da APL. Ainda: publicar duas edições da revista Água da Fonte e uma antologia de autores passo-fundenses com vistas à Feira do Livro de 2014. Manter e remodelar o sítio Internet da APL. Também estamos buscando, em pareceria com a SEDEC, promover a organização de oficinas literárias voltadas à formação e escritores. Melhorias e manutenção da sede estão nos planos.
Como a APL pode contribuir na formação de Passo Fundo como polo cultural?
Simplesmente, pela continuidade do trabalho que tem feito nos últimos 75 anos. É evidente que são novos tempos, outras instituições culturais surgiram e, até por missão, assumiram o protagonismo que outra fora da Academia Passo-Fundense de Letras. Uma academia como a APL, com a história que tem, com o trabalho que fez e continua fazendo, dignifica qualquer cidade que queira ser vista como polo cultural. A oportunidade do debate público e democrático sobre a cultura local e a inclusão de escritores locais que estão fora dos circuitos convencionais, além do estímulo à formação de novos escritores, como a APL tem feito via seus concursos literários e a abertura de espaços na sua revista oficial, despertando vocações, ajudam muito e ajudarão cada vez mais a consolidar e a justificar Passo Fundo como a Capital Nacional da Literatura.
A Academia de Passo Fundo segue os passos da Academia Brasileira? Como acontece essa relação?
Por origem, forma de organização, orientação de trabalho e afinidade com o tema letras, podemos dizer que sim, apesar da total independência institucional, a Academia Passo-Fundense de Letras segue a casa de Machado de Assis, a Academia Brasileira de Letras. Evidentemente, com escala de abrangência diferente. O foco da nossa missão são os escritores e outros atores que produzem cultura local, em vez da missão nacional da ABL. Espiritualmente e por princípios, podemos afirmar que as duas organizações são similares. Já fizemos visita à sede da ABL, no Rio de Janeiro, e em tempos recentes, a APL recebeu a visita de dois presidentes da ABL em nossa sede, na Av. Brasil Oeste, nº 792. Também, os acadêmicos locais têm participado ativamente dos encontros da Academia Brasileira de Letras, que acontecem por ocasião das Jornadas Nacionais de Literatura.
A APL é uma instituição que prioriza a cultura e que dá suporte aos novos autores. Para a próxima gestão, como a presidência pensa em investir mais nesse sentido? Como dar suporte e conteúdo a quem se aventura, agora, no ramo da literatura?
Não é de hoje que a Academia Passo-Fundense de Letras tem promovido e estimulado o surgimento de novos escritores em nossa cidade. Concursos literários, com publicação das contribuições, vêm de longa data. Apenas como exemplo, em tempos recentes, a cada dois anos, a APL tem promovido concursos literários voltados aos estudantes de ensino médio, contemplando escritores brasileiros. Foi o caso do concurso sobre Machado de Assis, Euclides da Cunha, Rachel de Queiroz e Moacyr Scliar, cujos textos foram reunidos em livros, que tiveram lançamentos nas edições da Jornada Nacional de Literatura e nas Feiras do Livro de Passo Fundo. Também, desde a primeira edição da Revista Água da Fonte, que completou 10 anos de circulação em 2013, foram publicados textos de autores iniciantes, alheios ao quadro da Academia. Inclusive, para os jovens, criou-se a seção Primícias, contemplando aqueles primeiros escritos. O programa Literatura Local, parceria APL e TV Câmara, há quase 10 anos divulga semanalmente o trabalho literário dos escritores passo-fundenses e outras formas de produção cultural. Vamos continuar esse trabalho e ampliar a aproximação de quem escreve com agentes literários, editores e livreiros, como está previsto na programação da III Semana das Letras. Ainda, a nossa proposta, contempla a organização de oficinas literárias voltadas à formação de escritores. Com isso, acreditamos que a Academia Passo-Fundense de Letras cumpre papel de relevância na cultura local.
No cenário atual do país e do mundo, o jovem ganha destaque. Existe alguma estratégia para aproximar o jovem da APL ou para dar espaço para a juventude?
Indiscutivelmente, a Academia Passo-Fundense de Letras tem trabalhado muito com os jovens. São exemplo, os concurso literários para estudantes do ensino médio, a presença dos acadêmicos em visita e palestras nas escolas, o incentivo à participação de estudantes nas semanas das letras, como atesta a programação da III Semana das Letras, que vai acontecer de 7 a 11 de abril. A materialização da produção dos jovens escritores em livros publicados pela APL, com direito a lançamento na Jornada Nacional de Literatura e na Feira do Livro, tem estimulado e consolidado vocações, que depois dessa experiência prazerosa, seguiram adiante produzindo seus próprios livros individuais. Uma estratégia, sem dúvida, exitosa, que manteremos e, sendo possível, ampliaremos.
Falando em jovem... Hoje é impossível falar de literatura e de cultura sem falar de internet. O senhor, como presidente da APL, enxerga de que maneira a relação cultura x internet? De que forma a tecnologia auxilia na disseminação da leitura e literatura e de que forma ela pode atrapalhar?
Não temos nenhuma dúvida que a tecnologia da informação, via a Internet, tornando possível o advento de novas mídias, revolucionou a forma de relacionamento entre escritores e leitores. O suporte digital tem facilitado muito a divulgação e o acesso à produção cultural, como nunca antes na história, ainda que recente. A democratização da divulgação e do acesso a produção cultural, via Internet, merece aplausos. Por outro lado, quando não se tem uma visão crítica mais apurada, essa agilidade e facilitação à divulgação e ao acesso à informação podem induzir facilmente à construção de uma versão errada do mundo, se prestando a uma erudição falsa e superficial. A era digital não dispensa a formação básica robusta. Os meios digitais hoje disponíveis facilitam a aprendizagem, mas não substituem o ensino básico de qualidade. Os clássicos ainda são imprescindíveis.
Olhando para o futuro. O que precisa ser feito? Qual o papel da APL na formação da cidade?
Muito foi feito desde aquele 7 de abril de 1938, quando a APL foi fundada. A formatação atual da cidade, como polo cultural e de ensino, passou por discussões que tiveram seu inicio no ambiente humano e físico da APL. Comemoramos recentemente nosso jubileu dos 75 anos. Nossa intenção é começar agora a história que será contatada nos próximo 75 anos, quando a APL deverá comemorar os seus 150 anos. O que precisa ser feito? Exatamente o que fizeram os que nos antecederam. Ou seja, trabalharam sintonizados com o seu tempo e com os meios disponíveis, plantando o futuro. Também faremos isso. Esse é o nosso compromisso público. Honrar e dignificar a história da APL, promovendo ações e projeto de cunho iminentemente culturais, mas que, paralelamente, ajudarão também no desenvolvimento social e econômico de Passo Fundo.