A partir de janeiro deste ano a revista “Ya” do jornal “El Mercurio”, a publicação feminina mais lida do Chile, deixou de usar fotoshop nas fotos de suas modelos. A jornalista Paula Escobar Chavarría explica. Usar o recurso era contrariar as reuniões de pauta: mostrar uma nova mulher livre, influente, autônoma, empreendedora. Que beleza seria essa sem curvas, sem rugas, sem marcas do tempo? Onde se encontram essas mulheres? Se não se pode comer nem envelhecer, qual liberdade e autonomia tem essa mulher?
Não conheço outro veículo de comunicação com essa coragem. Mas a trilha foi aberta. E não só para as mulheres. Os homens também começam a se dar conta de que a mulher que procuram não existe. Convencidos desta verdade bíblica, podem se acertar melhor com as mulheres verdadeiras.
Mulheres de revistas não possuem conteúdo. São como poemas de pura forma.
Mulheres de revistas não possuem história. São puro presente.
Mulheres de revistas são apenas superfície. Não há nada além da pele.
Mulheres de revistas, como bolhas de sabão, explodem quando as páginas se fecham.
O problema é que mulheres de revista adoecem as mulheres de verdade. Elas fecham as revistas e procuram imediatamente o espelho. Tingem os cabelos, gastam milhões em cremes. Deixam de comer. Fazem cirurgias e muitas morrem por isso. Espicham a pele. Continuam muito distante das revistas.
As mulheres de revistas também adoecem os homens. Eles fecham as revistas e saem à rua procurando a mulher imaginada. Quando não acham na rua, procuram na praça da aldeia. Depois, saem da aldeia para o mundo. Do mundo ao universo e às galáxias distantes. Trocam tanto de mulher e dormem infelizes ao lado de uma boneca inflável. Ou procuram mulheres em boates para fazer sexo à meia luz.
O desejo das mulheres pela mulher inexistente faz delas eternas insatisfeitas. Se apossam de neuroses como se fosse maquiagem para sua bolsa.
O desejo dos homens pela mulher inexistente faz deles homens inexistentes. Parecem cachorros procurando caçar sua sombra. Ou um Dom Quixote procurando a casa do horizonte.
Affonso Romano de Sant' Anna, em seu longevo amor com Marina Colasanti, entendeu e poemou:
“Estou amando tuas rugas, mulher. Algumas vi surgir, outras aprofundei.
Olho tuas rugas. Compartilho-as, narciso exposto no teu rosto.
Ponho os óculos para melhor ver tua pele
as minhas/ tuas marcas.
Sei que também me lês quando nas manhãs percebes
em minha face o estranho texto que restou do sonho.
O que gastou, somou.
Essas rugas são sulcos
onde aramos a messe do possível amor.”
O exemplo chileno desafia as revistas brasileiras. A mulher inexistente nunca conhecerá o amor. Seres da imaginação até podem ser objetos de um desejo, mas nunca serão sujeitos do amor.