Canela e Eustáquio, dois palhaços, decidem buscar uma nova terra. Caminhando e tombando e tornando a tombar a decisão é, agora, fundar um novo país. Através do olhar ingênuo e transgressor do palhaço procuram uma nova realidade onde a alegria, a brincadeira e a felicidade são elementos fundamentais na construção do novo território que passam a chamar de lar. A busca de dois palhaços por uma nova morada é o enredo do novo espetáculo do Grupo Ritornelo de Teatro, Faixa de Graça, que estréia nesse final de semana nos bairros da cidade.
O novo trabalho que passeará pelas ruas da cidade é resultado de uma parceria entre o Ritornelo e o Off-Sina de Circo Teatro de Rua, do Rio de Janeiro. Juntos, os grupos mesclaram suas características e a peça aborda, através da linguagem do palhaço brasileiro, questões de cidadania e brasilidade. “A escolha pelos palhaços surgiu do desejo do Grupo Ritornelo: É um desejo que temos há muito tempo - não só a coisa do palhaço em si, do tipo de comicidade, pois já trabalhamos a linguagem em alguma medida em outros espetáculos - mas em especial esta forma do palhaço brasileiro, dele na rua, numa relação próxima as pessoas, de chão mesmo”, comenta Guto Pasini, responsável pela interpretação de um dos espetáculos do grupo.
O processo de montagem foi, como destaca o grupo, um misto de novos sentidos e novas sensações já que a opção foi de abordar a poética do palhaço sob uma perspectiva desconhecida para o Ritornelo: a tradição oral. Depois que a ideia central do espetáculo ganhou vida, a proposta se transformou em texto pelas mãos de Miraldi Junior - que interpreta o segundo palhaço da peça. Ainda faltava algo: um olhar externo. Nessa fase, então, Richard Riguetti do Grupo Off-Sina, ajudou a construir e finalizar o espetáculo. “Ele é um mestre, pesquisador, palhaço, que topou a ideia. Então fomos trabalhado uns dias lá, com a orientação dele e uns aqui, aprofundado os "materiais" e as ideias que fomos construindo, transportando aquele "roteiro" que era inicialmente mais "dramatúrgico teatral" para uma dramaturgia do palhaço - que parte da lógica e da poética, próprias do palhaço brasileiro”, explica Guto. Desse ritmo intenso de trabalho, pesquisa e ensaio nasceu o espetáculo Faixa de Graça.
A peça toda é resultado de um processo de criação de um novo território de conteúdos: seja por conectar um texto a lógica do palhaço brasileiro, seja por fazer o Grupo Ritornelo voltar as ruas. A trajetória do Ritornelo é marcada pelo teatro de rua: formado a partir de remanescentes do ônibus-palco Viramundos, o grupo parece se sentir a vontade quando está rodeado por pessoas e pela intimidade de um teatro sem palco. Guto e Miraldi trabalham juntos há mais de dez anos e, em Faixa de Graça, parece que o desejo dos dois tomou o mesmo caminho: “Depois de tantos anos conversando sobre o desejo de fazer palhaço, finalmente conseguimos colocar em prática este projeto, de uma forma como sempre imaginávamos”, destaca Miraldi.
O jeito que imaginam é o palhaço ganhar a rua, interagir com o público e ter uma resposta ali, entre as praças, os salões paroquiais ou os espaços que cada bairro disponibiliza. “ A gente tem uma história com a rua muito intensa desde nossa trajetória com o Viramundos. Quando a gente se afasta um tempo de vivenciar o teatro de rua dá vazio, como se meu (nosso) fazer artístico estivesse incompleto, com aquela sensação de que ta faltando alguma coisa”, comenta Guto. Para voltar a rua, no entanto, algumas coisas mudaram. “Penso que as realidades mudam: o que vivemos e somos hoje não é mais o que fomos e fizemos no passado. Por isso a mudança, as adptações são parte de um processo necessário e inevitável na vida da gente e essenciais no trabalho. Creio ser preciso estar aberto ao novo, a busca de novos caminhos, novas poéticas e isto é uma das coisas mais fascinantes no teatro e na rua isto é ainda mais intenso e se potencializa muito mais com o palhaço”, destaca o ator.
O resultado das mudanças, adaptações e da nova proposta do Grupo Ritornelo pode parecer um espetáculo infantil, mas é, na realidade, voltado para adultos. “O espetáculo aborta questões da cidadania, claro sob o olhar do palhaço, que brinca, que transgride, que subverte, que transforma as coisas, mas ainda são temas tidos como "sérios" e que podem suscitar muitas possibilidade de leitura”, explica Guto. Ainda assim, o grupo acredita que as crianças podem se identificar com o olhar que o palhaço dá as situações que enfrenta. Talvez, como destaca Guto, a peça atinja todos os públicos. “Isso é uma questão bem interessante: geralmente a gente pensa o palhaço como sendo algo para crianças, porem acredito que o palhaço se relacione com nossa essência humana. Talvez por isso a gente o associe a criança que é, em geral, mais liberta das convenções e normas sociais que nos "escravizam" e nos afastam de nossa essência humana livre e afetiva”, conclui.
O espetáculo poderá ser conferido, inicialmente, em duas apresentações nesse final de semana: uma no Bairro Victor Issler, ao lado do Salão Paroquial, às 16h - como parte do projeto Bairro a Bairro promovido pela Secretaria Municipal de Desporto e Cultura de Passo Fundo – e a outra no dia 27, na praça Antonino Xavier, no mesmo horário e conta com o apoio do quiosque da leitura Roberto Pirovano Zanatta e da SEDEC. Ambas as apresentações são gratuitas e abertas ao público que estiver interessado em viajar através da visão de dois palhaços em busca de uma nova forma de viver o mundo.
Espetáculo teatral Faixa de Graça
Grupo Ritornelo
26 de abril, 16h
Bairro Victor Issler - ao lado do Salão Paroquial
27 de abril, 16h
Praça Antonino Xavier (Praça do Hospital da Cidade) – Passo Fundo