Coluna: Sobre VER o filme

Por Fábio Rockenbach

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Um aluno do Núcleo de Estudos em Cinema da UPF, que eu coordeno, comentou nessa semana sobre sua dificuldade em “entrar” na narrativa e se envolver com “Era uma vez no oeste”, obra-prima de Sergio Leone, lançada em 1969, e um dos filmes que foram debatidos no encontro do núcleo na semana passada - os outros diretores abordados neste encontro foram Spielberg e Fincher. No encontro anterior, lançamos um olhar sobre o estilo e analisamos obras de Hitchcock e Scorsese, particularmente “Janela Indiscreta” (1954) e “Os Bons Companheiros” (1990).

Pois, comentei com ele que acho que a dificuldade deste aluno está relacionada, também, às mudanças que o cinema sofreu nos últimos quarenta anos. A câmera, que antes movimentava-se com fluidez, deu lugar ao certo seco, ao plano de 1 segundo, ao ritmo ágil ditado pela montagem – aquele estilo que apresenta 70 cortes em um minuto, que acelera a sequência de ação a um ritmo até inverossímil, mas mantém a atenção de uma plateia que se acostuma a querer,  sempre, tudo o que é MAIS: mais ação, mais música, mais emoção, mais ritmo, mais efeitos, mais, mais, mais, mais...

O filme de Leone é de uma época em que o diálogo com o espectador era feito pelas escolhas ligadas ao plano e à câmera: seu enquadramento, seu movimento, sua relação com o cenário, o “balé” dos atores dentro desse plano. Para completar, ainda, Leone, que era conhecido por “parar o tempo”, não tem pressa para apresentar seus personagens e o desenrolar dos fatos. A sequência inicial é quase uma afronta ao relógio que insiste em fazer o tempo andar. Em termos visuais, “Era uma vez no oeste” é um dos filmes mais bonitos de todos os tempos. É de uma elegância que não se vê mais – onde cada plano, cada sequência e seu lugar no filme são planejados para compor uma obra quase orgânica, de vida própria. É difícil para boa parte das plateias de hoje assimilarem essa mudança de ritmo, essa nova forma de ver cinema. É o que estamos tentando mostrar aos alunos do núcleo – a assimilar e compreender esse cinema de tantas possibilidades. Já basta vermos o cinema atual se tornando mais um produto comercial do que uma manifestação artística. O foco inicial, aqui, são diretores mais acessíveis. Se o resultados dos encontros serve de parâmetro, é possível, sim, criar pessoas capazes de VER o filme, e não apenas de ASSISTIR ao filme.  E “Era uma vez no oeste” é um filme para ser visto (e não apenas uma vez)

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Lamentável perceber, duas semanas após o falecimento de Gabriel García Márquez, que entre tantas obras maravilhosas não tenha se conseguido fazer uma só transposição para o cinema que fosse, minimamente, um grande filme.

Por outro lado, é gratificante que nunca tenha sido transposto para as telas sua grande obra-prima, “Cem Anos de Solidão”. Tremo só de pensar em como ficaria a história da família Buendía e a sucessão de gerações que compõem a narrativa na mítica Macondo.  Há livros que, me parece, jamais devem deixar o mais perfeito universo possível de ser criado: a mente do leitor.

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