O aniversariante de hoje é Lupicínio Rodrigues, que estaria completando 100 anos. Um gaúcho com uma obra imensa que, bairrismo de lado, não fica devendo nada aos outros grandes mestres da música brasileira. Lupi conquistou as pessoas pela extremidade superior mais sensível: o cotovelo. Desamores e desilusões, traumas e traições, ganharam as vozes de Jamelão, Cyro Monteiro, Francisco Alves e Elizeth Cardoso. A dor de cotovelo foi sucesso com Nervos de Aço, Vingança e Esses Moços. Nos cabarés, ou mais objetivamente na zona, tocava na vitrola ‘você há de rolar como as pedras’... As canções de Lupicínio eram a alma daquela atmosfera, acompanhadas por uma cortina bordô impregnada pelo cheiro de cigarro, cerveja e talco Cashmere Bouquet.
Mas não foi apenas com dor de cotovelo que Lupicínio edificou a sua obra. Eclético, ele compôs marchinhas, sambas e até o Hino Grêmio. Não necessitou de carteirinha de gaudério, boleou a perna e ensinou que ‘mulher tem asa na ponta do coração’. Fez sucesso com Acaso Você Chegasse, um samba-canção que ganhou o breque e a bossa de Elza Soares. Os versos de Judiaria encaixaram-se com perfeição na gravação de Teixeirinha. O amor que se foi serviu de inspiração para clássicos como Cadeira Vazia, Nunca, Quem Há de Dizer e muitos outros. Algumas menos conhecidas, mas com o mesmo quilate, como Torre de Babel. Ah, claro, tem Felicidade. Não é uma simples canção. É uma cantiga com direito a uma ‘casa lá detrás do mundo’.
Jamelão foi considerado o principal intérprete de Lupicínio, mas suas músicas passaram pelos grandes nomes da MPB. Elis Regina, Maria Bethânia, Zizi Possi e Arnaldo Antunes também gravaram as profundas emoções lupicinianas. Num período em que os baianos predominavam nas gravadoras, Caetano Veloso gravou Felicidade. Ressurgia Lupicínio, que andava no esquecimento e fora de moda. Seus clássicos ganharam novas embalagens e também tocaram os corações mais jovens dos ‘pobres moços’. Foi assim com a magistral interpretação de Paulinho da Viola para Nervos de Aço. E nesse novo período da carreira, em 1974, Lupi morreu. O sucesso não parou. Abertura política, mentes e pernas se abrindo e os cabarés foram fechando. A dor de cotovelo mudou de endereço e a música de Lupi ganhou a condição de vedete nos locais mais requintados. Agora são clássicos da MPB em meio a perfumados ambientes. Um sucesso garantido enquanto existir a dor de uma paixão. Até porque a gente voa quando começa a pensar.