A cada dois anos uma lona ganha corpo e voz. Pelas mãos de quem lê e de quem escreve, essa lona torna-se um lar, ou um refúgio. Lar porque suporta tudo o que, de alguma forma, faz parte de quem passa por ali. Refúgio porque revela a calmaria em meio a uma rotina cuja rainha é a pressa. Incrustada na Universidade de Passo Fundo, escondida entre árvores e prédios, essa lona abraça. Abraça, abriga e acolhe. E faz tudo isso porque é a leitura quem a comanda. Sim, as Jornadas Literárias de Passo Fundo transformaram a cidade, a população e os hábitos daqueles que aqui vivem. E se assim aconteceu foi porque alguém, em algum momento, tornou-se a voz de um os eventos mais importantes da literatura nacional. A homenagem recebida por Tânia Rösing, escolhida como Educadora Emérita da 28ª Feira do Livro da cidade, nada mais é do que um agradecimento pelo incentivo, motivação e estímulo de abrir uma página e seguir viagem.
Em uma conversa com o Segundo Caderno, Tânia comentou sobre o desenvolvimento da leitura nas famílias, sobre o incentivo à escrita e sobre a capacidade da literatura alcançar públicos diferentes.
Segundo: O tema desta edição da Feira do Livro traz uma proposta abrangente: a leitura através das gerações. Na sua opinião, como é possível estimular a literatura nas diferentes idades? Existem formas específicas para cada faixa etária? Quais?
O desenvolvimento da leitura deve começar na família. Em tese, pais, avós, tios, madrinhas e padrinhos, todos têm compromisso em despertar na criança o gosto pelas histórias, sejam elas narradas, sejam lidas. Estudos têm comprovado a importância de as gestantes desenvolverem o gosto pela leitura, detransformarem-se em leitoras para contar histórias aos bebês, para recitarem quadrinhas, trava-línguas, parlendas desde o 6º mês de gestação. Enquanto as gestantes não desenvolvem esse comportamento, constituindo-se em exemplos de leitoras para seus bebês, cabe à escola, desde a Educação Infantil, aproximar as crianças da leitura pelo momento de contar contos, de cantar, de recitar pequenos poemas, de brincar com travalínguas, despertando-lhes o gosto pelo ritmo, pela sonoridade, pelo ato de brincar com as palavras, de observarem ilustrações, de se envolverem com livros para os diferentes cenários: de plástico, durante o banho; de pano, em meio aos brinquedos, sem legenda, imaginando o texto da história; livros-álbum, com técnica pop-up... Cada geração precisa ser tocada pela magia da leitura literária. Não há livros para crianças, para jovens, para adultos, para idosos. Existe literatura. E literatura independe de idade, de geração, de faixa etária. O grande problema é ser tocado pela leitura literária... magia única, irrepetível, para sempre.
Segundo: Além da leitura, a Feira do Livro é um espaço para a escrita. Qual a importância de estimular esse hábito nas diferentes idades?
A leitura é uma descoberta que tem sua sequência na escrita. Hoje, mais do que em qualquer outro tempo, ambas se fazem em diferentes suportes. As crianças têm acesso a computadores, tablets, smartphones onde leem de modos distintos e onde escrevem também de modos distintos. O que precisa ser estimulado, após a leitura, é a elaboração oral, ou melhor, de um produto escrito, pelo menor que seja, estimulando crianças, jovens, adultos, idosos a escrever. Atualmente, a escrita é muito informal nos diferentes suportes. Não há cuidado com a caligrafia como se esta tivesse desaparecido. Não é verdade. Não está escrito em nenhum lugar que estamos dispensados da legibilidade na escrita. Surgem novas modalidades de diários, por exemplo, elaborados em meio eletrônico. Embora como educadora eu valorize o processo de aprendizagem da escrita, não posso desconhecer os novos modos de escrever. A adesão ao e-mail acabou com os registros das famílias feitos em cartas. Outras vantagens estão ao alcance de todos pela tecnologia, mas devemos nos importar também com os registros que merecem ficar fora da nuvem, bem próximos a nós, fisicamente palpáveis.
Segundo: Nas Jornadas Literárias, a senhora convive com públicos extremamente distintos. Jornadinha, JorNight, Jornada UPF e palco principal abraçam todos esses públicos. Qual a estratégia ou a forma que as Jornadas escolheram para chegar a cada um desses públicos? E porque você, como coordenadora das Jornadas, optou por direcionar as atividades de acordo com os públicos?
Trabalhamos com pessoas. Trabalhamos com não leitores, com leitores em formação, com leitores definitivos. Portanto, precisamos ouvir esses distintos grupos e oferecer-lhes oportunidades de apreciarem escritores, de lerem livros, de assistirem a espetáculos teatrais, ou mesmo shows musicais, primeiro, a partir de seus interesses e, posteriormente, ampliando cada um desse interesses, alcançando patamares mais complexos. Precisamos estar atentos às necessidades e aos interesses das distintas faixas etárias. Não podemos exigir que não leitores, ou mesmo que leitores em formação leiam textos literários clássicos. Precisamos estimulá-losa ler obras de autores contemporâneos. Precisamos observar que tipo de diálogo os jovens desenvolvem com essas obras. Seremos mais úteis se compartilharmos com as novas gerações seus gostos, suas preferências, seus interesses. Estaremos aprendendo outros olhares para o mundo.
Segundo: De que forma as Jornadas e a Feira do Livro podem se dar as mãos para promover o incentivo e estímulo da leitura através das gerações?
A Feira do Livro de Passo Fundo é um dos desdobramentos das Jornadas Literárias. Nosso propósito é formar leitores. A Feira do Livro objetiva divulgar livros, vender livros. Uma atividade como esta deve ser realizada com uma programação cultural intensa, promovendo diálogos presenciais com autores, conferências para distintos públicos, apresentações teatrais, shows musicais para que se entenda a necessária formação de um leitor do livro em diferentes suportes,de leitor das linguagens artísticas e de leitor de um sem número de manifestações culturais. Ler é um prazer para todas as idades. Ler com o outro, para o outro é momento de alegria ímpar. Pais precisam ler para seus filhos. Avós precisam ler para seus netos. Netos precisam ler para seus queridos avós. Filhos precisam ler para seus amadospais. Ler em silêncio. Ler em voz alta. Ler expressivamente.Ler dramaticamente. Ler sempre. Ler. LER.
O quê Tânia lê:
“Fui iniciada na literatura por minha mãe que me contava histórias da Bíblia. Na escola, as atividades de leitura eram diárias. A obra da Monteiro Lobato marcou muito meu gosto pela leitura. Li, entre tantas obras, Pollyanna, Pollyanna Moça. Na continuidade, os clássicos. Atualmente, tenho me dedicado a ler, também, entre os textos teóricos obras de interesse dos jovens contemporâneos como os livros do Projeto Livro do mês de nossa cidade, de direito e de fato, Capital Nacional da Literatura.”