40 anos de memórias

Das tintas industrializadas às tintas naturais, Maria Lucina Bueno completa quatro décadas imersa na arte e comemora a data com exposições na cidade

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Quando ela fala, os olhos brilham, um sorriso se esboça nos lábios e a mente relembra memórias de uma história que se divide entre a paixão pela arte e o encanto pela sala de aula. Do fascínio pelas cores à dedicação pela pesquisa, Maria Lucina Bueno completa, neste mês, quarenta anos de imersão no universo das artes plásticas e apresenta sua trajetória ao público através de quatro exposições que resgatam sua obra. A partir do dia 6 de maio, quarta-feira, Passo Fundo poderá visitar a história de Maria Lucina no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, no Espaço Expositivo do Sesc, na Faculdade de Artes e Comunicação e no Centro Administrativo da UPF.

Memórias de infância

Em meio a grama, uma menina, afastada das outras crianças, remexia na terra em busca de cor. Enquanto no solo buscava o colorido, no céu, encontrava desenhos. A paixão de Maria Lucina pelas cores começou ainda na infância. “Sempre fui muito observadora de cores. Na infância, observava as cores e isso foi muito marcante para mim. Houve uma época em que a Igreja de Casca, cidade onde morava, estava sendo pintada. Ao invés de brincar, ficava observando o pintor e as figuras que tomavam forma. Me chamava a atenção a mudança da cor a partir da luz do sol, observava as nuvens e via se formar monstros e rainhas”, relembra. “Gostava muito de mexer com as flores, com as folhas e produzir pigmentos para pintar panos de parede das casinhas. Enquanto as crianças brincavam, eu enfeitava as casinhas com tintas naturais. E isso ficou guardado na minha memória”.

A paixão foi estimulada dentro de casa. “Tive muito estímulo da minha família. A começar pela minha avó paterna que, quando eu tinha 11 anos, me pediu que pintasse a imagem de Santo Antônio em um estandarte, para uma promessa. Tive orientação de uma irmã, mas quem pintou foi eu e isso foi muito importante”, conta. Logo, o talento para a pintura chegou a outros olhos. “Sempre tive alguém que me estimulasse. Quando vim para Passo Fundo, comecei a dar aula na alfabetização e no colégio onde estava sempre me solicitavam para fazer cartazes ou desenhos... Por onde passei sempre tive pessoas que me incentivaram a desenvolver isso. Devo muito a minha família e as pessoas que me rodearam”, agradece.

Do pátio à sala de aula

Entre paixão e talento, a arte virou profissão. “Meu sonho se realizou quando entrei na Faculdade de Belas Artes, em 1966. Me formei e fui convidada, mais tarde, a ser professora na Universidade, e fiquei lá por 27 anos”. De estudante, Maria Lucina se tornou professora de Educação Artística na cidade. Pouco a pouco, quadros iam tomando forma e novas obras nasciam de uma mente imaginativa e criativa. De dentro de casa, as criações de Maria Lucina foram ganhando a cidade. “Em 1975, meu sogro levou meus quadros para expor nas vitrines da cidade. Em 1976, decidi arriscar e participar de um Salão de Arte... Fui classificada. Depois, participei de dois, três, quatro salões.  De repente, minhas obras ganharam destaque estadual, nacional e logo começaram as premiações. Minha intenção era participar, mas as premiações vieram”, comenta.

Mais tarde, em meio a uma especialização de teoria e método da arte, a paixão da infância retornou na mente de Maria Lucina. “Minha pesquisa era sobre Expressão Humana: materiais e técnicas na pintura” e, a partir disso, comecei a pensar desde a pré historia e pensei em resgatar o que vivi na minha infância.  Comecei a trabalhar com as minhas lembranças, sem abandonar o meu trabalho com tintas industrializadas”, explica.

Um novo caminho

A pesquisa tomou forma e, hoje, Maria Lucina é referência em tintas naturais. “No meu atelier eu fazia, pesquisava, sabia que dava certo. Mas para as alunas, eu levantava a hipótese: ‘vamos ver o que vai acontecer’. Eu não dizia que dava certo. Fomos pesquisando e as coisas foram surgindo”, conta. A intenção, além de valorizar o meio ambiente, explorar uma nova forma de arte, era de produzir materiais alternativos para que os estagiários do curso de Artes pudessem levar nas escolas quando realizassem os estágios. No entanto, o trabalho foi além. “Me apaixonei por esse trabalho e comecei pintando pequenos formatos, depois médios formatos e, por fim, grandes formatos. É uma coisa que foi empolgando e a pintura é assim, ela empolga. E eu tenho verdadeiro fascínio pela cor. Tons terrosos, amarelados, azuis meio neutros... é tudo muito significativo”.

Lembranças em meio à tinta

Entre sala de aula e novas telas, Maria Lucina construiu uma trajetória baseada em sensações expressas em forma de arte. “Não sei distinguir a artista da arte-educadora. Tudo que eu exercitava no ateliê, procurava levar para sala de aula. Nunca dei como fórmula, mas incentivava a criação das alunas. Meu fazer é a cor e a pintura, independente dos materiais, mas o meu encanto é pelas surpresas das tintas naturais”.  Ao organizar quatro exposições que resgatam toda a sua história, a artista mergulhou no passado. “Me surpreendi com a quantidade de coisas que produzi. E cada obra é uma obra. Tem identidade própria”, avalia.

Entre as memórias coloridas pela tinta, duas se destacam. A primeira, Busca, quadro que compõe a exposição no Sesc, retrata a migração de famílias gaúchas para Santa Catarina e Paraná no início dos anos 70. “Reflete o sentimento da época, o pai e o filho, colonos, em busca de melhor lugar, de costa para os expectadores que ficam com o sentimento de perda. Eu via que caravanas iam embora e a gente ficava com aquele sentimento de tristeza, mas, ao mesmo tempo, sabendo que iriam em busca de algo melhor. Isso me marcou”, conta. Além deste, Perfil, que faz parte da série Ausência, traz um pouco da artista em cada pincelada. “Foi pintado em 1993, um ano depois da perda de um ente querido. Foi um momento de muito sentimento, de muita dor. E esse é um quadro que é meu, que fica na minha sala e que não me desfaço”

Quatro décadas, quatro exposições

Resgatando o percurso artístico da artista, os quarenta anos dedicados aos pincéis serão relembrados através de quatro exposições que passeiam pelas quatro décadas de história e apresentam diferentes técnicas e temáticas da obra de Maria Lucina. Um dos espaços escolhidos para a exposição foi a Faculdade de Artes e Comunicação, local onde a artista desenvolveu boa parte do seu trabalho. “A ideia dessas exposições é fazer o espectador ter uma panorâmica do trabalho da Maria Lucina”, explica a professora e coordenadora do curso de Artes Visuais da UPF Mariane Loch Sbeghen. Ela acrescenta, ainda, que as exposições são fruto de um trabalho que se diferenciou. “Além de ter sido professora da Universidade, ela foi uma profissional comprometida. Acredito que o que faz muita diferença no trabalho da Maria Lucina é o fato de ela ter ido além da sala de aula. Ela não ficou limitada à ementa, mas se dedicou à pesquisa e proporcionou que tivéssemos outras alternativas de materiais e isso, para a comunidade, é essencial”, complementa.

Para o Museu de Artes Visuais Ruth Schneider, onde acontecerá a abertura das exposições na segunda-feira e, ainda, que recebe a exposição “Percurso Poético das cores, 40 Anos de Arte”, o trabalho da professora e artista é capaz de apresentar novas possibilidades e novos caminhos. “A obra da artista Maria Lucina é única. Seu trabalho nos mostra caminhos e possibilidades de pintar sem o uso de tintas industrializadas, sem a necessidade de grandes investimentos.  E a exposição é muito significativa, pois apresenta a obra de uma artista pesquisadora que nos mostra possibilidades e caminhos alternativos para produzir arte. E através dessas descobertas nos oferece generosamente sua arte”, comenta Tania Aimi, coordenadora dos Museus.

Ainda, completando a lista de locais em que as obras estarão expostas, o Sesc apresenta, no Espaço Expositivo “Cores de Maria Lucina: paisagens”. “Para o Sesc é muito importante abrigar essa exposição, já que a Maria Lucina é referência em Artes Plásticas e o seu trabalho é muito lembrado. Inclusive, ela foi a primeira artista que expôs no Sesc, quando inauguramos o prédio, então, para nós, é um privilégio participar dessa comemoração que é, sim, merecida”, conclui Andressa Pagnussat, agente cultural da instituição.

 

Saiba um pouco mais sobre as quatro exposições na palavra de Maria Lucina Bueno:

Percurso Poético das Cores, 40 anos de arte (MAVRS - 06/05 à 12/07)
"Percurso Poético das Cores será apresentado no Museu e mostra os tipos de materiais que usei. Seria uma espécie de reconstrução didática da minha obra. Traz os materiais que utilizei. Abrange as duas partes do meu trabalho: tintas industrializadas e tintas naturais."

Cores de Maria Lucina: Paisagens (SESC - 06 à 31/05)
"No Sesc, vai ser apresentado “Cores de Maria Lucina: paisagens” e essa exposição abrange as cidades que tive o prazer de conviver."

Cores que vem da natureza: resultado da pesquisa (FAC - 06/05 à 06/06)
"Na FAC vai ser apresentado o resultado da minha pesquisa e vai apresentar como as tintas naturais se comportam em diferentes suportes, desde o papel, até à tela."

Do real ao imaginário (Centro Admnistrativo UPF - 06/05 à 06/06)
"Na reitoria, a exposição traz retratos e traz figuras que foram criadas pela minha imaginação."

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