Do primeiro livro, aos 25 anos, a um nome consagrado em meio às histórias e roteiros de época, Letícia Wierzchowski já soma mais de 20 livros publicados e viu sua vida se dividir depois de, no início dos anos 2000, dar vida à uma história do século XIX: sete mulheres trancadas em uma casa durante os 10 anos em que uma guerra transformou o Rio Grande do Sul. Das páginas, A Casa das Sete Mulheres virou a série de sucesso da TV Globo e um divisor de águas na carreira de Letícia. De lá pra cá, o trabalho aumentou: além das obras publicadas fora do país, ao lado de Tabajara Ruas, Letícia trabalhou por seis anos no roteiro de O Tempo e o Vento, adaptação cinematográfica do clássico de Erico Verissimo, que virou filme e, mais tarde, adaptação para a TV. Na próxima semana, nos dias 26, 27 e 28 de junho, Letícia estará em Passo Fundo para ministrar a oficina A Alegria da Escrita. Antes disso, conversou com o Segundo Caderno e falou um pouco mais sobre o papel da literatura na sua vida.
Segundo Caderno: Como é o seu processo criativo? Existe alguma necessidade para que você comece a escrever?
Leticia Wierzchowski: Eu tenho um processo criativo bem orgânico - quando estou trabalhando num romance, os personagens e o enredo me acompanham mesmo quando estou pela rua, vivendo o meu dia a dia, dando palestras... Eles são como um sub-texto da minha existência, penso sobre eles, analiso os fatos do enredo, a história segue comigo mesmo quando não escrevo... Mas sou muito tranquila pra escrever - costumo fazer ficção às tardes, quando meus filhos estão nas suas atividades, e a casa fica mais calma, mais aberta à inspiração. Tento escrever diariamente, mas às vezes outros trabalhos tomam o meu tempo, porém, com um romance em andamento, não fico mais do que dois dias sem entrar na história. A minha única necessidade para escrever é uma porta fechada e o meu computador - não consigo ficcionar em meio à agitação da vida cotidiana, preciso me retirar para um lugar silencioso, geralmente o meu quarto - escrever é um ato de intimidade pra mim, e nunca tive um escritório.
Segundo Caderno: Como surgiu o teu gosto pela literatura e, consequentemente, pela escrita?
Leticia Wierzchowski: Eu sempre fui uma leitora voraz. Amo a ficção - entrar em outras peles, outras vidas, deixar a realidade de lado por algum tempo é um oxigênio para a existência. De tanto ler, sendo uma pessoa criativa - que tentou exercitar a sua criatividade em muitas instâncias - um dia, acabei escrevendo um romance, e outro, e outro... Escrever ficção é uma coisa fundamental para mim, na medida em que considero, inclusive, terapêutico trabalhar nos meu romances... Sou meio doida quando fico muito tempo longe dos personagens e do mundo da ficção.
Segundo Caderno: E quanto aos romances de época: como eles ocorrem na tua mente e qual o teu propósito ao escrever sobre o passado?
Leticia Wierzchowski: As histórias pedem um chão, e algumas delas - por conveniência, por necessidade, por realismo - acabam se construindo no passado. A História é um ótimo pano de fundo, embora os dramas humanos, mesmo que o tempo passe e passe, sigam sendo basicamente os mesmos. Mas é instigante construir um mundo que já não existe mais, pesquisar as suas nuances, tantos físicas quanto psicológicas, e erguer, das cinzas do passado, um universo vivo e dinâmico. Eu gosto de História, sempre gostei. Gosto de levar meus personagens para outros tempos, quando o enredo pede isso.
Segundo Caderno: Se você precisasse dar alguma dica para aqueles que querem seguir na escrita, qual seria?
Leticia Wierzchowski: Ler muito é a primeira, a dica fundamental. Depois é ter perseverança e disciplina na escrita - um romance não nasce de um dia, e é preciso escrever muita coisa e jogar muita coisa fora até o texto estar pronto. Depois é correr atrás da edição, não é fácil - mas os caminhos vão sendo construídos à medida em que avançamos...
Segundo Caderno: Por fim, na tua avaliação, como está a literatura no Brasil hoje?
Leticia Wierzchowski: Eu não fico pensando na literatura de forma panorâmica - a minha relação é com os livros, com cada livro que leio - cada livro é um universo. Posso dizer que tenho lido bons e instigantes livros de autores brasileiros - o mercado é vivo e dinâmico, mas me ressinto - como escritora, como mãe, como cidadã - dos caminhos que estão sendo trilhados para o nosso país. Falta cultura, falta o hábito da cultura, e o governo não incentiva a cultura. Assim, o mercado literário (e o de arte em geral) segue remando contra a maré. Mas temos, apesar de tudo, ou por causa disso, uma boas musculatura. Resistiremos.