Passowood

Por Fábio Rockenbach

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Os mais velhos talvez lembrem de quando Passo Fundo foi cenário de um longe metragem. Eu, na minha condição de visitante acolhido pela cidade, não tive essa sorte. Provavelmente tenha sido há quarenta anos, quando o gaúcho nascido em Rolante transformou Passo Fundo em locação, bem antes de morrer e se tornar estátua no centro da cidade. Recente é a investida amadora e apaixonada, sem recursos,um empreendedorismo corajoso e solitário – heróico, porque não – de Jorge Salton, que filma quase como se fosse uma criança brincando com aquele brinquedo que mais ama, sem esperar muito em troca, senão o prazer de fazer o que gosta.

OK, Passo Fundo já teve seu cenário em clipes musicais, a Dinartes, a Jimmy Dog – inclusive pelas mãos dos mesmos profissionais que estiveram por aí, filmando endoidecidos pela cidade nos últimos dias, no tempo da extinta Beterraba Filmes, antes de surgir a FilmJournée. Naquele tempo, conversei com Leonardo Gobbi, Carlos Teston e Fabiana Beltrami sobre cinema e o Teston comentava comigo a respeito da cosmética da fome, contra a tão mencionada estética da fome do Glauber Rocha, no tempo em que Cidade de Deus e Central do Brasil glamourizavam a pobreza transformando a desordem social em tema sem sujar demais as lentes do espectador .

Mais ou menos na mesma época Passo Fundo aparecia como cenário de uma produção internacional, mas com aquele gostinho de produto paraguaio barato. A cidade era Passo Fundo, mas parecia mais uma ruela de alguma cidade histórica boliviana, não apenas pelo carro antigo que surgia em cena mas principalmente pelo sotaque portunhol falsificado das crianças. O Extraterrestre que aparecia em cena não falava, mas havia gritos de um bando de crianças que, o filme jurava, eram de Passo Fundo, no sul do Brasil. O filme – aliás, filmaço, incompreendido, injustiçado – é SINAIS, talvez a última grande obra-prima de Shyamalan. O que eu não sei dizer exatamente é se Passo Fundo era aquela que queriam nos fazer acreditar aparecer no filme. 

Então, no fim das contas, esse não vale.

Valeria mencionar os jovens que no ensino médio investem no cinema como ferramenta pedagógica planejada em algumas instituições – sei do Integrado UPF, que promove anualmente o Festival de Cinema, premiando seus jovens estudantes como se fossem profissionais em noite de Oscar. Quem sabe os alunos da FAC um dia não venham a fazer o mesmo com suas produções pedagógicas nos cursos de PP e Jornalismo. Quem sabe eles mesmos não dêem um passo à frente e sigam os passos de gente como o Teston e o Gobbi.

Porque hoje, gente como eles e Emiliano Ruschel resgataram as paisagens de Passo Fundo do ostracismo – não a falsa Passo Fundo hollywoodiana, mas aquela que Teixeirinha um dia registrou e que passou 40 anos servindo apenas aos abnegados heróis locais e aos jovens em seus curtas amadores. Conversei com Ruschel, Teston e Gobbihá algumas semanas e, mesmo brevemente, pude perceber sintonia e motivação. Parece óbvio imaginar motivação em quem faz cinema, mas já vi gente nessa mesma situação ligada no piloto automático, quase cumprindo uma obrigação. Não foi o que eu vi neles. Se a energia de Emiliano Ruschel e sua equipe se mantiver até o fim, naquela essencial, trabalhosa – e deliciosa, para quem gosta de cinema – fase de pós-produção, quando o filme ganha forma e sentido na mesa de edição, pelo menos um resultado parece certo: será um filme honesto. Do pouco que vi, ficou a sensação de que, no bom sentido, os envolvidos não estavam apenas empolgados, mas remetiam àquelas crianças que recebiam o presente de Natal e passavam os dias seguintes de olhos brilhando, viajando na imaginação e transformando o faz de conta em realidade. Não sei se Maverick será um bom filme, se receberá elogios da crítica, se será premiado em festivais, se atrairá público, se decolará em carreira internacional, mas sei que será um filme honesto – e esse me parece o primeiro passo em qualquer tipo de realização. O filme que é honesto consigo mesmo, costuma ser honesto com seu público. Quem fez esse filme, honestamente, ama o que faz.

Sem falar que o Maverick Berta que cortou as ruas de Passo Fundo é tão bonito quanto – ou mais – que o Dodge Charger de “Velozes e Furiosos”. Segura essa, Vin Diesel...

Gostou? Compartilhe