Por volta de 1827 a pequena Passo Fundo começa a tomar forma. A ocupação do Alto Uruguai e do Planalto Médio prediz o surgimento daquela que será a maior cidade do norte do estado. Na mesma época, em uma cidadezinha perto de Paris, o francês Joseph Nicéphore Niépce é responsável por tirar a primeira fotografia. No norte rio-grandense, habitado por índios, Cabo Neves estabelece morada e encoraja a povoação das terras desconhecidas. Na França, a vista da janela de Niépce fixada sobre o papel dá início a uma era onde lembranças tornam-se tangíveis. Duas histórias que se coincidem e se encontram por volta de 1928 pelas mãos do menino Deoclides Czamanski e que têm continuidade por entre as gerações de uma mesma família: “Olhares”, exposição do Museu Histórico Regional, resgata a memória da cidade contada através das lentes de Deoclides, Ronaldo e Rafael Czamanski.
Caçula de três irmãos
A história contada na exposição, à primeira vista, pode ser dividida em duas: de um lado uma cidade em pleno desenvolvimento, do outro uma atividade cujo papel é fixar momentos. Atividade, essa, exercida pelos Czamanski. Uma família grande, de origem polonesa e capaz de quebrar paradigmas em Passo Fundo. Ao estabelecer morada na cidade, além de iniciar a construção de uma vida, deu início a uma era onde os fatos passaram a se registrados. Três irmãos com uma mesma vocação: a fotografia. O caçula, Deoclides, aos 6 anos, fotografou a rua Moron. Datada de 1928, a primeira fotografia mostra o início do calçamento das ruas da cidade. Ainda menino, Czamanski se mostra perceptível e sensível aos registros dos fatos. Por mais de 70 anos fixou a história da cidade no papel e, nesse tempo, registrou – através das experiências – a história da própria fotografia. Deoclides, que na verdade era alfaiate, desde cedo se encantou pela arte. Trabalhou com fotografia no estabelecimento comprado em 1930 pelo irmão mais velho e só parou em 2004, quando adoeceu. Em seus registros é possível perceber a passagem do tempo e as mudanças nos costumes, nas roupas, na cidade.
Na fotografia por acaso
Filho de Deoclides, Ronaldo Czamanski entrou no ramo por acidente em 1958, com 11 anos: na falta de alguém para fotografar uma formatura de datilografia que acontecia em uma escola ao lado do estúdio, Ronaldo se arriscou. Deu certo. Mais por necessidade do que por hobby fotografou a cidade e sua história. Tudo passou por suas lentes: casamentos, formaturas, revoluções. Hoje ainda fotografa, apesar da dificuldade que sente em adaptar-se à era digital. Em um cômodo de seu apartamento estão guardadas todas as lembranças: câmeras antigas, fotos, retratos, memórias de um tempo que ajudou a mostrar.
O neto de Deoclides
Rafael Czamanski, neto e filho, também seguiu os passos da família. Convivendo com avô e pai tem a fotografia em suas veias. Além de um semestre de Medicina Veterinária, trabalhou no laboratório da família e mais tarde concluiu Administração e emendou uma Pós Graduação em Fotografia em Curitiba. O início da carreira, em 1997, repete a história do pai. Quando viu que as pessoas gostavam do seu trabalho percebeu que, assim como avô e pai, também podia dar certo no meio. Mais de uma década depois, Rafael montou o próprio estúdio e trabalha com foto publicitária. Apesar de suas fotos terem foco diferente das de Deoclides e Ronaldo, a influência da família é grande.
Passo Fundo e fotografia
Do preto e branco ao colorido e do analógico ao digital, Passo Fundo fez-se habitat natural para as mudanças da fotografia. A Capital Nacional da Literatura é, também, fonte de grandes artistas fotográficos que fizeram parte da história e marcaram profundamente as lembranças da cidade. Se o papel é responsável por contar a história de uma arte e de uma cidade, os fotógrafos – artistas capazes de retratar não uma imagem apenas, mas captar emoções e sensações – são responsáveis por dar vida a tal história, por alimentar percepções que vão além do fixado sobre o papel. E é justamente tais percepções que a exposição busca carregar. “A exposição” Olhares” apresenta as mudanças da cidade captadas por várias décadas através das lentes de três gerações de fotógrafos da mesma família, nos possibilitando conhecer a cidade de vários ângulos e períodos”, explica Tania Aimi, coordenadora do Museu.
Para conhecer Passo Fundo sob o olhar dos Czamanski e compreender as diferentes mudanças enfrentadas pela cidade, basta visitar a exposição, no Museu Histórico Regional, até o dia 27 de setembro.