Cultura sem fronteiras

Uma lenda de aproximação, liberdade e transcendência

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Um vilarejo, dois personagens e uma história de emaranhados. A campanha da 29ª Feira do Livro de Passo Fundo misturou literatura, publicidade e fantasia para formar um imaginário que ultrapassa fronteiras. Criada pelo Núcleo Experimental de Publicidade e Propaganda da Universidade de Passo Fundo, juntamente com a organização do evento, a lenda que introduz a edição da feira deste ano buscou referências em alguns vilarejos da região do Peru. De acordo com os criadores da campanha, Adriano Cunha e Camila Teixeira, essa população, desde criança, tem costume de ir agregando em seu poncho suas experiências, e, assim, a vestimenta acompanha essas pessoas durante suas vidas. “A lenda, infelizmente, não é verídica. A ideia por traz dela foi criar uma fantasia em cima dessa população, de forma a agregar um caráter mais lúdico para a campanha”. A ideia foi não desenvolver somente um mero instrumento de comunicação, mas personagens que trazem um caráter mais fantasioso e até mesmo mais informativo, principalmente para as crianças. “Uma campanha publicitária possui valor quando entra na vida do indivíduo trazendo significado, fazendo com que ele se sensibilize com simplicidades e torne isso algo extraordinário, sorrindo sempre e unindo-se com o outro”.

 

Um poncho, um espelho de vivências

Um dos principais elementos da campanha foram os ponchos dos personagens, que se entrelaçam, formando um só. Segundo os publicitários, da mesma forma que o poncho, no Peru, tem como objeto essa coleta das experiências do indivíduo, ilustrando quem ele é, ele funciona de forma semelhante na campanha. “Ele foi metaforizado: a literatura e todas as outras vertentes das artes são responsáveis pela construção do ser humano e do imaginário coletivo”. Conforme eles, são costurados nos ponchos da Feira vários elementos que fazem referências aos diversos tipos de literatura e, também, as experiências de quem o usa: desde folhas, que fazem referências a uma leitura mais livre e bucólica, até um fantasma, referência aos clássicos do terror. “Indo além, foi pensado, então, em criar dois personagens e um vilarejo, ambos fictícios, visando criar uma comunicação mais ampla”.

 

Um conceito de aproximação

Uma mudança de local não significa necessariamente uma mudança de identidade, nem mesmo de distanciamento. O slogan "Para a cultura não existem fronteiras" ajuda a derrubar os muros entre classes sociais e diferentes indivíduos. Laura Santana Lunardi, presidente da Associação dos Livreiros de Passo Fundo, explica que a cultura tem que ir para todos os lugares. “Precisamos fazer com que a cultura atinja todos os povos. Não só uma determinada classe, mas todas. Sem preconceitos. Nós precisamos derrubar esses muros. O livro tem que chegar a todos os lugares”. O slogan transcende o local onde a feira acontece e pretende passar a ideia de que a passagem da praça para o Bourbon não exclui, nem elitiza. Adriano e Camila explicam que foi pensado, também, na ambientação do local da feira para que ela ainda trouxesse um acolhimento visto na praça: a presença de bancos na quitanda literária, plantas espalhadas pelo local, varais com o livreto (lembrando a literatura de cordel), e a própria campanha com esse caráter mais lúdico e bucólico, servem para ir contra o elitismo. “Infelizmente, há pessoas que são resistentes com o novo, parece que o novo gera um incômodo. A cultura pode estar em todos os lugares, ela sai da zona de conforto e aproxima todas as classes. A ideia da feira no Bourbon é justamente não mostrar que existe separação de públicos na praça e no Bourbon. Todas as pessoas podem frequentar o ambiente que quiserem”. Para eles, o conceito da feira é aproximação, e talvez seja decepcionante concentrar-se na ideia de feira elitizada, pois ela foi ao novo para romper paradigmas. “Que possamos levar a cultura em todos os lugares e para todos, independentemente da localidade, não? Estagnar nunca foi sinônimo de cultura. Hoje está no Bourbon, na próxima edição pode estar numa casinha da árvore, o que importa é que ela percorre diferentes centros”.

 

 

 

A lenda dos emaranhados sem fronteiras.

"Com os pés encharcados, Theodór lutava para secar de seu corpo a umidade característica do extinto vilarejo Sanga das Madalenas, que fazia divisa com Passo Fundo e no qual morava. Naquele lugar, empurrava, todas as manhãs, sua carriola de madeira, vendendo artigos que, julgava, trariam alguma felicidade e o calor humano que faltava no vilarejo. Pipocas de caramelo, algodão doce, apito e maçã do amor. A persistência em harmonizar o ambiente, contudo, não estava exatamente na carriola.

Numa manhã qualquer, Theodór sentiu um aroma diferente pelo ar. A neblina que pairava nos céus de Sanga das Madalenas abriu-se com um simples balanço de cabelos. Era Hortência, que vinha com a sua carriola de flores. Há quem diga que seus ponchos involuntariamente se entrelaçaram pelas carriolas e que o casal caiu pelo chão, fazendo com que a umidade da cidade começasse a diminuir. O calor que antes faltava, começava a aparecer.

Sentado no chão, Theodór começou a observar que os cabelos ruivos de Hortência eram soltos e esvoaçantes, como os raios de sol dos quais o vilarejo precisava. Hortência, por sua vez, observava em Theodór um semblante acolhedor. Acolhedor como as nuvens. Era como se nuvem e sol se encontrassem, se emaranhassem, se complementassem.

Uma forte amizade, baseada em respeito, em aproximação e na liberdade de fazer o bem para o outro, cresceu entre os dois. O vilarejo nunca mais foi úmido nem apático, pois nele, agora, havia aproximação. Nele, agora, quebrava-se barreiras e fronteiras eram rompidas. A lenda diz que, do aproximar-se e permitir-se observar, nasceu a consciência de priorizar a cultura em Passo Fundo. Há aqueles que confirmem que é possível, em dias nublados com sol, sentir uma brisa tocando o rosto. São Hortência e Theodór soprando a lembrança de que a cultura nunca deve ter limites.

A cultura de cada um e a história de cada um não se fazem sozinhas. Emaranhar-se está longe de ser sinônimo de confusão. Emaranhar-se é sempre uma maneira de se permitir, de sentir.

A cultura sem fronteiras é assim".

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