Diante de uma plateia calada e ansiosa, a cortina se abre, as luzes apagadas camuflam a sombra de um homem que, depois de um instante de silêncio, irrompe em gestos intensos, ruídos fervorosos e uma interpretação capaz de, sem qualquer artifício, colocar o público em uma viagem ao lado de Cristóvão Colombo em busca do Novo Mundo. A partir disso, a delicadeza de uma luz simples é a única acompanhante de plateia e ator por uma jornada de descobertas: o espetáculo de abertura da VI Mostra Sesc de Teatro, que acontece na noite desta sexta-feira, traz Julio Adrião – e apenas ele – para contar a história não apenas da descoberta de um novo continente, mas, também, da sua vida, dos seus desejos e impulsos e, especialmente, da mistura que faz com sorte e culpa. A Descoberta das Américas, que já está há mais de dez anos em cartaz e rendeu o Prêmio Shell de Melhor Ator para Adrião, será apresentada no palco do Teatro do Sesc, hoje, a partir das 20h, logo depois da cerimônia de abertura da Mostra.
O desafio de estar sozinho
A história é, de fato, muito simples: o monólogo de Adrião conta a história de Johan Padan, um homem que embarcou em Sevilha numa das caravelas de Cristóvão Colombo. No novo continente, Padan, que estava fugindo da Inquisição, consegue, com o pouco conhecimento que tem, lutar pela sobrevivência – resiste a um naufrágio, testemunha a matança, aprende a língua dos nativos, é preso, escravizado e quase engolido pelos índios antropófagos para, depois, ser venerado como o Filho da Lua e treinar, catequizar e guiar os índios num exército de libertação que acaba caçando os espanhóis invasores. Poderia ser, sim, apenas mais um conto histórico, mas vai além: A Descoberta das Américas é o ápice do trabalho do ator em cena, é uma espécie de ritual primitivo, bucólico e instintivo e é, ainda, a celebração do homem que é, ao mesmo tempo, multidão, paisagem, ouvinte, poesia e ação. Isso porque Julio Adrião não dá vida somente a Johan Padan, mas a uma peça inteira. “O simples fato de subir no palco a cada dia é um enorme desafio, independentemente do espetáculo ser um solo ou estar em vida há mais de 10 anos. No caso da longevidade, o desafio é seguir estimulado e vivo como a cada única vez. No caso do solo, o desafio é saber que você tem uma travessia a ser feita e que o público te seguirá ou não de acordo com tua capacidade de estar vivo o tempo todo, sem descontos. Juntar os dois desafios é um desafio em si, já que o ator não pode se achar melhor do que a missão de fazer o teatro acontecer”, comenta o ator.
Mais de 10 anos de simplicidade e cumplicidade
Desde a primeira apresentação, ainda em 2005, A Descoberta das Américas vem, num trocadilho perdoável, se redescobrindo a cada novo palco. “O trabalho está numa permanente e suave evolução e mutação. Por ser teatro, não pode ser simplesmente repetido, mas sim refeito a cada vez. Incorpora-se a isso o tempo de vida do ator que, 10 anos e 10 quilos depois, tem que encontrar a melhor forma de seguir sendo tão eficiente quanto na origem”. Entre mudanças na luz – que se tornou ainda mais sutil – e pequenas modificações no início e fim do espetáculo, a peça mudou. “A responsabilidade diante da expectativa criada pelo público que já assistiu, ou que vem pela primeira vez, faz com que eu tenha que ter a real dimensão dessa oportunidade única de encontro. Tudo depende de como eu me coloco para que as coisas comecem a acontecer e o teatro possa se estabelecer, e isso é um aprendizado sem fim, já que cada vez é uma única vez.”, explica Adrião. Para ele, o espetáculo não se enquadra em apenas uma classificação e não pode ser definido com a mesma simplicidade que se vê em cena. Explicá-lo é mais complexo: “Temos gostado de chamar de comédia histórica, pois isso aproxima as pessoas e a surpreendem quando veem que não é apenas uma comédia. Pra mim é um solo narrativo histórico épico tragicômico”, define.
De volta a Passo Fundo
Tanto a história em cena quanto o ator por trás dela já estiveram em Passo Fundo em outras oportunidades, uma delas na Jornada de Literatura, em 2007, que contabilizou 5 mil pessoas em frente ao palco - o maior público da peça até hoje. “A cidade tem sido muito presente na minha vida e na carreira do nosso espetáculo. Voltar a Passo Fundo é uma oportunidade de mostrar a evolução do trabalho para quem já viu e para quem ouviu falar, além do prazer de rever a cidade e os amigos que aqui fiz. Podem me esperar por inteiro, como a cada única vez.”, conclui.
Serviço
VI Mostra Sesc de Teatro
A Descoberta das Américas
1º de abril
Teatro do Sesc, 20h
Ingressos: R$ 10 para comerciários e dependentes com Cartão Sesc, R$ 12,50 para estudantes e idosos, R$ 15 para empresários e dependentes e R$ 25 para público em geral.