Em meio a uma família de cães, um deles, Bingo, faz amizade com um gato que encontra pelo caminho. Quando a família aguarda, ansiosa, o momento do primeiro latido, Bingo surpreende com um miado e, inocente, não vê problema nenhum. O mesmo não acontece com sua família e dona que pensam diferente do cão que, diante da diferença, é levado pela carrocinha e o seu destino é o preconceito dos outros cães. Baseado no livro infantil homônimo de Pedro Bandeira, É Proibido Miar, espetáculo apresentado na tarde de ontem e, também na tarde de hoje, através do Projeto Teatro a Mil, já está com sessões lotadas e aborda a questão das diferenças através da história encenada, mas, principalmente, pelas escolhas em palco. Ousada, a MA Companhia optou por ir além das questões de acessibilidade já utilizadas em outros espetáculos – que proporcionam que a criança especial entenda a peça através de um relato do que acontece em cena ou de tradução em libras - e decidiu incorporar isso na própria dramaturgia: são os atores que descrevem o que se passa em cena e realizam a interpretação em libras – tudo em meio à atuação.
Acessibilidade em cena
A proposta do trabalho é incomum no universo do teatro para crianças: investiga o potencial criativo da audiodescrição e da libras, enquanto narrativa e gesto, inserindo-as em sua concepção e propondo uma linguagem experimental. A proposta da companhia era elaborar uma peça capaz de abranger as pessoas cegas ou com baixa visão e as pessoas surdas, mas, também, ouvintes e videntes. A partir disso, surgiu a opção de utilizar a audiodescrição e a linguagem dos sinais, recursos que assistem pessoas cegas e surdas, mas, também, autistas, paralisados cerebrais e pessoas com síndrome de down. “Logo de início aprendemos que a deficiência não está nas pessoas, mas no ambiente, na informação e nas atitudes de acolhimento não preparados para a diversidade. Quando adaptamos essas três variáveis, a deficiência desaparece”, comenta Juliana Kersting atriz e idealizadora do espetáculo que acrescenta, ainda, que a aceitação com relação ao diferente deve ser incentivada desde cedo. “Estamos muito presos a uma cultura que o diferente é errado ou feio. Quando trazemos este assunto as crianças, elas tem a oportunidade de se aproximar do outro, de se colocar no lugar do outro, e perceber que existem formas de convivermos e de nos comunicarmos, e compreender que não existe o deficiente ou o anormal e sim pessoas diferentes e que sim podemos estar no mesmo espaço de convívio, com igualdade e sem abrir mão das individualidades”, coloca.
Tema e escolhas da trupe fazem de É Proibido Miar um espetáculo divertido, mas carregado de emoção e identificação com o que acontece em cena. “Podemos dizer que toda equipe, cada um à sua maneira, se identifica com os personagens pois se tratam de estereótipos da sociedade”. Para Juliana e companhia, todos os personagens trazem um pouco de identificação. No entanto, é com Bingo que isso acontece de maneira mais intensa. “Acredito que todos, de uma maneira mais sutil ou não, já passou por alguma experiência de não aceitação que entra em consonância com Bingo, pois mesmo que sejamos ouvintes e videntes, ainda assim somos diferentes – altos, baixos, gordos, magros, pretos, brancos”, conclui