'Vocês estragaram a minha música', reclamou em tom de brincadeira o compositor Adoniram Barbosa, ao ouvir os Yagascascas cula cuncan' no arranjo e interpretação nada convencionais, feitos para sua Saudosa Maloca. Mal sabia ele que daquela irreverência nasceria uma das parcerias mais original e duradoura na história da Música Popular Brasileira. Com sete décadas de estrada e já na terceira geração de músicos, o grupo vocal e instrumental Demônios da Garoa, considerado pelo Guinness Book como o mais antigo em atividade no mundo, se apresenta hoje à noite, a partir das 23h30, no Gran Palazzo, em Passo Fundo. O show é comemorativo aos 100 anos do samba no Brasil.
O DNA musical que diferencia o trabalho dos Demônios ao longo de sua trajetória surgiu de uma brincadeira nos bastidores da Rádio Nacional, em 1953. Em entrevista por telefone, Sérgio Rosa, 60 anos, filho do fundador do grupo, Arnaldo Rosa, falecido em 2000, contou que eles estavam ensaiando a Saudosa Maloca, quando o apresentador Manuel de Nóbrega passou por perto e ficou surpreso com a originalidade do arranjo. “Quero que vocês cantem assim, será um sucesso” conta.
O apresentador estava certo. A música ‘estourou’ no Brasil inteiro, mas havia um problema. Faltava outra canção para gravar no lado B do disco. “Eles então procuraram o Adoniram. Com aquele jeito brincalhão, disse que haviam estragado a música dele, e compôs o Samba do Arnesto. Dali em diante, passou a criar para os Demônios”. Com a letra e música nas mãos, Arnaldo se encarregava de imprimir a digital do grupo no trabalho, trazendo para a interpretação elementos de influência da colonização italiana, junto com a linguagem e a malandragem das ruas paulistana.
A parceria rendeu vários sucessos como As mariposas, Iracema, Apaga o fogo mané, entre outras. No entanto, na metade da década seguinte surgiria o maior deles. A antológica Trem das onze, classificada entre os 10 maiores sucessos da MPB de todos os tempos, em pesquisa realizada por uma emissora de TV no ano 2000. O 'pas calin gun dum' no arranjo vocal da introdução, é a melhor tradução do samba irreverente dos Demônios.
Permanecer na ativa por sete décadas, buscando espaço ao lado de uma infinidade de outros gêneros musicais, não tem sido o único desafio do grupo. Com as mudanças na formação ao longo do tempo ( o último integrante do grupo original faleceu em 2005), a preocupação é conservar a característica dos vocais, dos timbres, sotaques, além é claro, da levada rítmica.
Serginho, como é chamado, explica que antes de fazer parte do grupo, o novo músico passa por uma espécie de laboratório. Além dos cinco integrantes, os Demônios contam com uma banda de apoio. “Primeiro ele fica nesta banda, para ir assimilando nossa linguagem” revela. A escola já está formando a terceira geração de músicos.
Nos Demônios desde 1987, Sérgio (voz e afoxé) toca atualmente ao lado do filho, Ricardinho (pandeiro), Izael (timba), Canhotinho (cavaquinho), Dedé Paraizo (violão 7 cordas). Como a intenção é levar o grupo aos 100 anos na ativa, Sérgio já prepara o neto, de apenas três anos, para passar o bastão. “Em alguns shows ele já faz umas gracinhas” brinca.
Atualmente, os Demônios realizam uma média mensal de 10 a 15 shows para uma plateia de avós, pais, filhos e netos. “Nossa música vai passando de uma geração para outra. A formação do público é feita em casa entre os familiares. O show é uma celebração destes encontros” define.
O show de hoje em Passo Fundo encerra a sequência de três apresentações no Rio Grande do Sul, na quinta e sexta-feira, eles tocaram em Porto Alegre e Santa Maria, respectivamente. No repertório de logo mais à noite, além das clássicas que não podem faltar, o grupo promete homenagens, como um pot pourri de sambas gravados por Jair Rodrigues, e também algumas marchas-rancho, eternizadas nos carnavais do passado. A abertura do show
Setenta anos de música
- O grupo foi formado no começo dos anos 1940 em São Paulo contando com as participações de Francisco Paulo Gato, no tantã; Artur Bernardo, no violão; Arnaldo Rosa, vocal e ritmo; Antônio Gomes Neto, o Toninho, violão tenor, e Cláudio Rosa, pandeiro.
- Conforme o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, em setenta anos de carreira, o grupo paulistano gravou mais de 30 discos em 78 RPM, dezenas de compactos, Lps e CDs, totalizando mais de 60 discos.
- A atual formação traz Izael (vocal e timba), Sérgio Rosa (vocal e afoxé), Canhotinho (vocal e cavaquinho), Dadé Paraizo (vocal e violão 7 cordas) e Ricardinho (vocal e pandeiro), que é neto de Arnaldo Rosa, membro original do grupo.
Serviço
Show com Demônios da Garoa em homenagem aos 100 anos de samba no Brasil
Quando – Sábado à noite
Local – Gran Palazzo
Mesa para 6 lugares c/feijoada) Setor A – (R$ 900) – Setor B (R$ 800) – Setor C (R$ 750). Horário 21h. Restam poucas mesas
Cadeiras – Valor único R$ 60. Horário 23horas
As vendas acontecem na Center Color e Ticketmais até às 12h. Após 20h, venda na bilheteria da Gran Pallazzo.