Um novo lar para manifestações artísticas

Inaugurado em novembro do ano passado, o Rito Espaço Coletivo é mais um ambiente de apreciação cultural disponível em Passo Fundo e aberto à comunidade

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Embora muitos talentos artísticos tenham nascido em Passo Fundo, com grupos teatrais há anos na estrada, colecionando prêmios, nem sempre a cena cultural local foi amplamente valorizada ou reconhecida com a mesma importância. Eram poucos os espaços destinados a isso.

Músicos, atores, escritores e artistas visuais jamais deixaram de exercer seus talentos por conta das dificuldades, mas a carência de espaços que abrigassem e ouvissem suas manifestações parecia afastar a comunidade de um contato direto com atrações culturais constantes, inseridas no dia-a-dia, e até mesmo retrair jovens que sonhavam em viver da arte, especialmente se fosse de maneira independente. Felizmente, artistas parecem ser atraídos uns aos outros pelas próprias inquietações. Desse encontro de ideias, surgem grupos, coletivos, rodas e espaços culturais, que não deixam o amor pela arte ser esquecido, onde quer que estejam. O efeito é contínuo. Quanto mais iniciativas surgem, independentes ou não, mais incentivam outras a surgirem também.

É assim, da união entre artistas e amantes da arte, que Passo Fundo tem se movimentado culturalmente. Agora, a promoção e manifestação cultural são abraçadas por mais um espaço, que faz par com outros importantes locais onde o objetivo é fazer fluir a arte da região: o Rito Espaço Coletivo, inaugurado em novembro do ano passado, em uma parceria entre o Grupo Ritornelo de Teatro e a Fundação Lucas Araújo. Localizado na Rua Aníbal Bilhar, 900A, o amplo espaço traz constantemente à comunidade atrações a preços acessíveis (ou totalmente gratuitas), como peças de teatro, ensaios abertos, apresentações musicais, oficinas e rodas entre artistas e público em geral.

A criação do espaço

O Ritornelo é um grupo teatral formado por um coletivo de artistas que trabalharam juntos  no Grupo Viramundos, vinculado à Universidade de Passo Fundo (UPF). Em 2008, depois de dez anos de atividade, a Universidade encerrou o projeto artístico de maneira brusca e o grupo foi desligado da instituição. O amor pela arte e o desejo de dar segmento à trajetória de êxito de montagens teatrais, investigação de linguagens e produções artísticas do extinto grupo, levou o coletivo a se unir mais uma vez e fundar o Grupo Ritornelo de Teatro, em 2010. Desde então, o grupo trabalha com espetáculos acessíveis e instigantes, independente da experiência cultural de casa espectador. A intenção é de um teatro popular, em que o cuidado estético e a fomentação do pensamento crítico não impossibilitem peças com uma camada de leitura compreensível para todas as pessoas.

Nesses anos de trabalho, o grupo atuou em importantes iniciativas e festivais culturais, mostras e oficinas, e foi agraciado com alguns prêmios, que viabilizaram a circulação do repertório de espetáculos e a produção de outras ações desenvolvidas ao longo do tempo. No entanto, um sonho antigo seguia guardado no baú: ter um espaço para ensaiar e mostrar o trabalho do grupo, além de compartilhar a bagagem de conhecimento de cada um dos membros em um ambiente de troca com outros artistas.

A oportunidade de criar esse espaço finalmente surgiu na metade de 2016, quando o presidente da Fundação Lucas Araújo convidou o Ritornelo para uma apresentação no Lar da Menina – um projeto voltado para meninas carentes, que ficam na instituição no turno inverso ao de aulas; lá, elas recebem reforço escolar, educação física, oficinas de canto, de música, de culinária, de padaria, de informática, de dança, de artes e, agora, de teatro. “Foi a partir daí que começamos a conversar sobre a possibilidade de uma parceria em que o grupo oferecesse oficinas e apresentações [às meninas], mas a Fundação não tinha recursos, então nos ofereceram esse pavilhão. Ao ver o espaço nos encantamos com as possibilidades de tudo o que gostaríamos de fazer”, explica um dos atores e organizadores do Rito, Miraldi Junior.

Não é difícil entender o encantamento citado por Miraldi. O pavilhão da Rua Aníbal Bilhar já não tem mais cara de pavilhão. Parece um abrigo distante da rotina pacata de alguns. As paredes de tijolos à vista se colorem com quadros, pôsteres e guarda-chuvas coloridos. A cozinha, com café pronto para aquecer os artistas que ali ensaiam, faz par com outro cantinho que deixa o pavilhão com cara de casa: os sofás confortáveis, o tapete colorido, a estante de canto com uma pilha de livros, o vaso de flor em cima de uma bancada; é quase uma sala de estar.  Em troca da concessão desse lar confortável, perfeito para aconchegar a paixão pelas manifestações culturais, o Grupo Ritornelo agora dá aulas e oficinas periódicas de teatro ao Lar da Menina e ao Abrigo de Idosos, ambos pertencentes à Fundação Lucas Araújo.

Manutenção do espaço

Além da parceria com a Fundação Lucas Araújo, o Rito se mantém com os ingressos arrecadados nas atividades realizadas, como oficinas, shows, espetáculos teatrais e eventos culturais. Toda e qualquer ajuda é bem-vinda para manter o espaço. “Já tivemos doação de tintas, e os artistas que participam da Roda no Rito, fazem isso em prol do espaço, não cobrando cachê. Então, por ser um espaço coletivo, todos buscam ajudar como podem”.

Território para troca de experiências

Logo que o espaço foi fundado, a intenção foi clara desde o início: ser um território para dividir com a comunidade “as vivências, aprendizados, conhecimentos e métodos adquiridos em mais de 20 anos de troca, convívio e trabalho com importantes mestres, grupos e diretores de teatro do Brasil e exterior”. Um lugar de expressão cultural; de livre pensar, agir e sentir; de encontro de culturas. Construído de modo coletivo por pessoas. Um espaço onde a arte faz a transformação.

Para que isso seja possível, o Rito abre as portas para os artistas independentes do município. Serve de lar não somente ao próprio grupo Ritornelo, mas também a outros três grupos teatrais, que ocupam o espaço para ensaios. “Já estamos com atividades diárias de segunda a sábado entre vários grupos parceiros, entre eles o Teatro Depois da Chuva, Cultura nas estradas e o Madame Frigidaire, que é um grupo de jovens que estão desenvolvendo um trabalho no teatro, experimentando essa arte. Além de nós [do Ritornelo], que estamos em fase de montagem do novo espetáculo de rua”, explica Miraldi. Através do Rito, os grupos recebem a oportunidade de manifestar a arte e aprender uns com os outros, deixando sua própria contribuição mesmo para quem tem uma década de experiência a mais na bagagem.

Para a comunidade em geral, o espaço traz a acessibilidade do contato com diferentes tipos de cultura, sem precisar procurar tão longe, tampouco tirar muito da carteira. “Acreditamos que essas iniciativas sejam vitais para a sociedade. Quanto mais oportunidades de acesso às artes para população, principalmente das manifestações que estão fora do contexto comercial, mais estaremos contribuindo para uma sociedade crítica e que saiba refletir sobre os reais problemas que vivemos”, declara o grupo. A boa notícia é que o retorno tem sido extremamente positivo: a inauguração, por exemplo, envolveu o pavilhão com o calor humano de uma centena de pessoas que prestigiaram as 12 horas de programação.

Planos, projetos e expectativas

Neste ano, os planos para o espaço se baseiam em intensificar as atividades: tanto as oficinas, quanto os eventos. No momento, o grupo trabalha na organização de um carnaval no espaço, apenas com marchinhas clássicas; na segunda edição da Mostra Rito de Teatro; e coordena outros eventos que já vêm sendo realizados e devem contar com mais edições, como o Roda no Rito – um espaço de encontro gratuito entre artistas e comunidade em geral, em que cada um que se faz presente ali é livre para contribuir com uma apresentação; seja uma canção, um número acrobático ou a declamação de um poema.

Quanto ao Grupo Ritornelo, o foco atual está na montagem de um novo espetáculo, que trata da cultura e identidade do gaúcho tendo como ponto de partida os textos de João Simões Lopes Neto. A previsão de estreia é para março e o grupo está em busca de ajuda da comunidade através de um financiamento coletivo (https://www.vakinha.com.br/vaquinha/montagem-do-espetaculo-rosa-dos-rumos). Do objetivo de R$ 23 mil para custear o espetáculo, R$ 3.340,00 já foram arrecadados. Ao realizar no site a doação de valores entre R$ 10 e R$ 1 mil, além de incentivar o teatro, o doador receberá brindes, de acordo com o valor depositado. A lista dos brindes pode ser conferida no mesmo link informado previamente.

A agenda do Rito Espaço Coletivo é divulgada constantemente pela página no Facebook (Grupo Ritornelo de Teatro) e no endereço http://www.gruporitornelo.com.br/agenda

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