Entre as pessoas com acesso às salas de cinema, à televisão ou a algum serviço de streaming, é difícil encontrar quem não goste de assistir filmes. Alguns assistem para relaxar, outros para refletir sobre a história, mas poucos são aqueles que enxergam o cinema como algo além de um passatempo despretensioso.
Logo quando o cinema surgiu, houve quem o considerasse um tipo de teatro filmado. De fato, era difícil ignorar as semelhanças entre as duas artes quando o cinema ainda fazia uso de câmera estática e carecia de uma linguagem própria. Com o passar dos anos, essa visão foi deixada para trás e o cinema passou a apresentar sua própria linguagem, única e rica em significados, mas que até hoje não é compreendida pela grande massa. Escolas, especialmente no Brasil, não se propõem a uma educação cinematográfica, mesmo quando poderiam usá-la como uma importante ferramenta.
A percepção da dificuldade encontrada por muitos em compreender como certos elementos técnicos impactam na leitura de uma obra cinematográfica fez com que um projeto, vinculado à Divisão de Extensão da Universidade de Passo Fundo (UPF), fosse criado em 2015. O Ponto de Cinema surgiu depois de uma experiência de três anos como um grupo informal de alunos e professores da instituição que usavam o tempo livre para debater filmes ou conceitos – o Núcleo de Estudos em Cinema (NEC). Professor na UPF e especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual, Fábio Rockenbach foi quem encabeçou o projeto desde o início. Ele conta que a primeira ideia era ter um espaço que suprisse a ausência de um Cinedebate em Passo Fundo, mas logo a iniciativa tomou formas maiores. Como projeto de extensão, o grupo decidiu ampliar a ação e promover mais atividades que proporcionem o livre acesso a obras audiovisuais e permitam a compreensão do cinema como arte e discurso. “Muita gente gosta de cinema, mas não consegue compreender oitenta por cento do que assiste, é levado pela emoção. Queremos mostrar que é possível ler um filme assim como se lê um livro e ver muito além das camadas superficiais. E que o cinema pode ser uma ferramenta pedagógica e de interação social”, explica o professor.
Ainda de acordo com Rockenbach, vive-se um tempo em que as pessoas são assediadas por todo tipo de imagem e vídeo, seja na televisão, no computador, no celular ou na rua, e é importante saber ler esse tipo de mídia para entender, também, como ele pode ser usado como ideologia, propaganda e, principalmente, valorizar o cinema como arte. “As pessoas veem um filme mas costumam falar sobre história e personagens. Quando muito, comentam efeitos ou como a fotografia é bonita. A maior parte do que ocorre num filme não é visto. A gente quer ajudar quem ama cinema a começar a ver isso”.
A compreensão através do debate
Em 2015, as discussões sobre cinema entre os alunos e professores passaram a elencar as atividades mensais do projeto, organizado por bolsistas e alunos integrantes do Núcleo de Estudos em Cinema, no Museu de Artes Visuais Ruth Schneider (MAVRS). O debate é aberto à comunidade e funciona com uma dinâmica leve e simples: define-se um assunto (um diretor, gênero, movimento ou tema) e, em cima disso, são escolhidos alguns filmes. Os interessados têm um mês para ver os filmes e, no dia marcado, passam a tarde conversando, revendo cenas e discutindo. O crescimento é conjunto, uma troca de conhecimentos onde todos são livres para contribuir no bate-papo. Elvis Picolotto foi um dos primeiros alunos a fazer parte do Núcleo e participa dos debates até hoje. Ele diz que, além de divertido, o Núcleo dá a oportunidade de entender mais sobre o que é um filme. “Compreender melhor uma expressão artística, como cinema ou literatura, é compreender melhor a sociedade que produz aquela arte. E o Núcleo permite isso”, complementa.
O primeiro debate deste ano já tem data e tema marcado. Ocorre no próximo sábado (18), às 14h, no MAVRS, para analisar os filmes indicados nas categorias de Melhor Filme e Melhor Diretor do Oscar. Os filmes foram divididos entre os membros do Núcleo, para cada pessoa ou dupla dar início na discussão de cada obra.
Ampliando o alcance das ações
Em 2016, o Ponto de Cinema contou com 13 bolsistas. São eles que administram as ações do projeto em redes sociais através de videocasts, vídeos especiais e podcasts de discussão, além das ações relacionadas aos cinedebates, eventos e exibições. Foi também no ano passado que o projeto ficou entre os vencedores da segunda edição do Prêmio Funcultura, promovido pela Prefeitura de Passo Fundo. O prêmio permitiu a aquisição de materiais de exibição, como projetor, tela e som, e Rockenbach diz que agora é hora de começar a retribuir o investimento com ações mais constantes junto ao público.
Uma atividade que seria iniciada no ano passado vai finalmente começar em março: são os ciclos de cinema gratuitos aos idosos da Coordenadoria Municipal de Atenção ao Idoso (COMAI). Mais de três mil pessoas irão ter acesso a obras diversas no Teatro Múcio de Castro, em uma parceria com a Secretaria da Cultura, que é fruto ainda do reconhecimento do Funcultura. “Estamos buscando ações novas, em hospitais, por exemplo, mas isso ainda depende de outras condições. As mostras temáticas na Casa de Cultura Vaca Profana vão continuar, assim como os CineDebates e as ações online”. Rockenbach também adianta que há chance de um curso de extensão voltado à cultura cinematográfica acontecer ainda no segundo semestre, entre outras ações que dependem das possibilidades de pessoal e material. “Vamos tentar fazer, como vem acontecendo, que esse ano agregue mais ações que o ano anterior”, finaliza.