Um invencível

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"Ainda não caiu minha ficha”. O sentimento do amigo e parceiro de palco, Miguel Penteado, é o mesmo do público que atravessou quatro décadas ouvindo clássicos da música nacional e internacional, interpretados na voz do cantor Luís Carlos Quevedo. O músico, que morreu na semana passada, aos 64 anos, após uma batalha de quatro anos contra um câncer na tireoide, é considerado referência pelos colegas de profissão.

Autodidata, Quevedo começou a surgir na cena musical de Passo Fundo no início dos anos 70. Cantando e tocando bateria ao lado de Fiu Percussion (baixo) e Miguel (guitarra), o trio formou a banda Os Invencíveis. “Na verdade era para se chamar Os Batman's, mas como estávamos escavando e tirando a terra embaixo da minha casa para fazer um porão e ter um lugar para ensaiar, percebemos o tamanho do esforço e concluímos: nós somos Os Invencíveis” revela Fiu, idealizador do projeto.

Equipados com guitarra, baixo e bateria produzidos artesanalmente por Pedro Castanho, o Duca, irmão de Fiu, as primeiras experiências com o público sugiram nos salões paroquiais das vilas de Passo Fundo. Com um repertório repleto de Jovem Guarda, e clássicos de bandas internacionais, entre elas, Pink Floyd, Creedence Clearwater Revival, Led Zeppelin, Deep Purple, Rolling Stones e Beatles, a presença dos jovens cabeludos passou a ser obrigatória nas reuniões dançantes. Em pouco tempo, eles já estavam tocando bailes nos principais clubes sociais. “A tarde do rock, aos domingos, no Centro Social Santa Terezinha, na vila Rodrigues, era demais. Aquilo ficava lotado” lembra Miguel.

Embalados pela voz potente de Quevedo, Os Invencíveis ganharam a estrada. A bordo de uma Kombi viajaram pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Além do trio inicial, a banda teve outras formações, com participações de Osvaldir, que mais tarde faria dupla com Carlos Magrão, Touro, Sergio Florão, Algir e Dutra. “Viajávamos esmagados pelos instrumentos. Estradas ruins. Era um sofrimento, mas na semana seguinte estava todo mundo lá, pronto para encarar tudo novamente. A música estava no sangue” recorda Miguel.

Os Invencíveis também acompanharam artistas conhecidos nacionalmente. Após um show com Sergio Reis, no Paraná, o cantor convidou os músicos para seguirem juntos, mas não teve jeito. Em Passo Fundo, a banda tocou com Nelson Ned. “Eles mandavam o repertório com antecedência. A gente ensaiava e deixava tudo afiado” conta o guitarrista.

Com o fim de Os Invencíveis, Quevedo trocou a bateria pelo violão e começou a se apresentar em bares de Passo Fundo e região. Artista carismático, dono de uma voz marcante e um repertório variado, costumava lotar as casas onde se apresentava. Casablanca, New Bar, Wings, (todos abertos pelo parceiro Fiu), Butterfly, Barravento, Dez Bar e Parole, foram alguns dos endereços onde o músico bateu ponto por várias madrugadas. Muitas delas acompanhados por ex-integrantes da banda, ou pelo irmão Paulo Quevedo, na percussão. Época em que não faltavam no repertório canções de Zé Ramalho, Ednardo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Zé Geraldo. Nas baladas internacionais, Quevedo modulava a voz fazendo cover de Rod Stewart, banda Eagles, entre outros.

“Tocamos muito tempo juntos. A vida dele era cantar e tocar. Não recusava convites. Chegou a largar o emprego que tinha na prefeitura para se aventurar na estrada” recorda o irmão. Paulinho, como é conhecido, diz que o músico, no início da carreira, recebeu convite de uma banda para ir morar em São Paulo, mas recusou. “O negócio dele era ficar em Passo Fundo, perto dos amigos”. Revendo arquivos do irmão, Paulinho retorna ao ano de 1987, quando Quevedo venceu o Festival de Música de Chapada. Interpretando a canção Porto Solidão, clássico na voz de Jessé. “Neste festival ele representou a Passotur, concorreu com outros 33 intérpretes e venceu”.

Após a descoberta da doença, o músico teve de passar por uma cirurgia na garganta, e acabou perdendo a voz, encerrando assim uma carreira de mais de 30 anos. O músico passou os últimos dias na cidade de Eldorado aos cuidados de uma irmã. No sábado passado, sentiu-se mal e foi levado às pressas para Porto Alegre, onde acabou falecendo. Ele deixou três filhos.

Influências

Além do carisma com o público, Quevedo também foi responsável por influenciar diversos músicos de sua geração. Um deles foi o passo-fundense Jua Ferreira. Radicado em Porto Alegre desde os anos 90, o baterista conta que costumava ir até o salão da igreja na vila Santa Maria, ver as apresentações de os Invencíveis. Durante o show, não tirava o olho de Quevedo na bateria. “Meu pai era saxofonista e havia me dado uma bateria com o dinheiro que ganhou tocando no carnaval. Como eu não sabia tocar, ficava olhando o Quevedo, às vezes pela janela do salão porque não tinha dinheiro para entrar. Chegava em casa e repetia os movimentos” conta. Mais tarde os dois tocariam juntos no Reflexo Som. “Foi uma honra tocar ao lado de um músico como ele” afirma.

No início dos anos 80, o cantor Ricardo Pacheco ensaiava os primeiros acordes no violão, quando conheceu o trabalho de Quevedo, no lendário Casablanca, esquina da Moron com a Fagundes dos Reis. “Nesta época ele tinha um grupo de samba, junto com Pacote (já falecido), Betinho e Paulinho. Comecei a matar aula para para ver os shows. Foi a grande inspiração para eu começar. Me chamava a atenção o fato de ele cantar e tocar bateria, até hoje é uma coisa raríssima. O timbre rouco da voz dele me encantou. Ver ele cantando Rod Stewart era bárbaro. Ficamos amigos logo e tocamos muito juntos” revela.

“Foi um dos melhores cantores do Rio Grande do Sul” afirma o músico Osvaldir Souto, ex-integrante de Os Invencíveis. Os dois dividiram o mesmo palco por cerca de 10 anos. “Ele era meu ídolo, cantava rock demais, foi muito prazeroso participar desta história ao lado dele” acrescenta.

Quevedo era nosso Robert Plant

Raul Boeira

Cheguei à cidade no carnaval de 1974, aos dezessete anos. Roqueiro, arranhando o violão, sonhando ser guitarrista. Logo ao chegar, vi Os Invencíveis em um chope-bar que existia na Morom fundos do Correio. Fiquei amigo dos músicos, e passei a frequentar os ensaios do conjunto, que, nessa época, já era prestigiado e presença constante em bailes nos clubes do centro e em cidades da região. Como uma espécie de “roadie”,ajudava a carregar e montar equipamento, colar cartazes pela cidade, vender ingressos, essas coisas. A recompensa era tocar guitarra ao final dos ensaios, com Sergio Florão, Miguel e Touro, que tinham muita paciência com o aspirante a músico.

Passei a levar aos ensaios fitas k7 com uns rocks pesados... Deep Purple, Led Zeppelin, etc. O cantor Quevedo ficou fascinado com os vocalistas dessas bandas e pediu que eu datilografasse as letras para que ele pudesse ensaiar. Eu já era razoavelmente fluente no inglês e, no outro dia, apresentei a encomenda. Acontece que Quevedo - o nosso Robert Plant - não sabia ler em inglês. Então, para que pudesse cantar da forma mais correta possível todos aqueles rocks que amávamos, datilografei a pronúncia: “mai úman from Tóqui-ô / xi meiqsme fil / mai úman from Tóqui-ô / xis sou gud tu mi” e por aí afora.
Enquanto pode exercer a profissão, Quevedo, emocionado, sempre contava essa história ao me avistar nos lugares onde se apresentava. Como um gesto de gratidão, uma homenagem... Sua morte interrompeu uma boa amizade de mais de 43 anos. A tristeza passa. Ficam as histórias, fica a saudade. (Raul Boeira – compositor)

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