Caminhos diferentes

Osvaldir e Carlos Magrão se preparam para a despedida que será em setembro e em grande estilo

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Em abril de 1985, eles foram a Porto Alegre participar da gravação de um clipe para o músico e amigo Dutra. No retorno a Passo Fundo, se aproximaram e, no dia seguinte, já estavam tocando juntos no lendário bar Recanto Nativo. Nascia ali, uma das principais parcerias na história da música regional gaúcha. Passados 32 anos daquele primeiro encontro, Oswaldir e Carlos Magrão se preparam para o fim de uma trajetória que rendeu 17 discos, as conquistas de um disco de ouro e um de platina, de um festival de música nacional, a gravação de um DVD, e centenas de shows pelo Brasil. A despedida da dupla de ouro, como ficou conhecida, diante dos passo-fundenses, está  marcada para o dia 29 de setembro, no Gran Palazzo. Os dois ainda cumprem mais uma agenda juntos, provavelmente em Chapecó. Depois desta apresentação, cada um segue seu rumo.

Radicado há cerca de um ano na cidade de Itajaí, no litoral catarinense, Carlos Magrão disse, por telefone, ser o responsável pelo fim da dupla. A decisão, segundo ele, vinha sendo amadurecida havia alguns anos. O desejo de estar mais perto da família, de gerenciar a própria carreira e de realizar um trabalho voltado para a linha gospel, foram determinantes. “Quero construir uma carreira diferente, cantar outras músicas. Pensar com a minha própria cabeça. As coisas não são eternas. Vinha pensando nesta mudança há bastante tempo, em morar aqui em Santa Catarina. Esta mudança tem sido importante para a minha família” revela.

Carlos Magrão começou a flertar com a música gospel há cerca de 10 anos, quando ingressou na Igreja Luterana. Em 2008, gravou seu primeiro trabalho solo nesta linha 'Vamos falar com Deus'. Casado e pai de cinco filhos, o músico de 56 anos, não pretende abandonar por completo a música regional gaúcha. “Não vou fazer só gospel' avisa.

Com o fim da parceria, Oswaldir também já projeto o futuro de sua carreira. Sem revelar detalhes, adianta apenas que seguirá no mesmo estilo que tornou a dupla conhecida em todo o Brasil. “Logo o público terá novidades” diz.

Nas três décadas de carreira, Oswaldir e Carlos Magrão alcançaram marcas expressivas no cenário da música nacional. A primeira delas veio com a conquista do Festival Rimula Schell de Música Regional Brasileira, em São Paulo, no ano de  1989. Provocados por  Sérgio Reis, amigo de Oswaldir, decidiram participar.

Para concorrer com outras 2.164 canções, enviaram  numa fita K7 a música Tetinha. Uma crítica bem humorada sobre o momento político do país. Por coincidências do destino, a mesma música havia sido inscrita no Carijo da Canção, em Palmeira das Missões, mas acabou desclassificada porque Magrão, durante a interpretação, acabou errando um trecho da letra. “Foi a nossa sorte, no festival de  São Paulo só aceitavam músicas inéditas” conta Oswaldir.

Nas fases classificatórias, Tetinha caiu na graça do público e chegou à final como uma das favoritas. Mesmo assim, Oswaldir preferiu reforçar o coro e armou uma estratégia de marketing. “Liguei para integrantes de dois CTGs em São Paulo e convoquei o pessoal. Compraram mais de cem luvas de borracha e encheram com gás. Quando subimos ao palco, eles soltaram as luvas imitando balões de tetinhas. Imagina a gauchada pilchada em pleno Olímpia. Foi outro momento marcante para a dupla” diz o músico.

A conquista do prêmio abriu as portas no cenário nacional para dupla, que chegou a morar durante um período em São Paulo, mas acabou retornando ao  Rio Grande do Sul. Pouco tempo depois, os dois músicos viveram um outro grande momento na carreira. O lançamento do CD Querência Amada, em 1995, ultrapassou a marca das 600 mil cópias. O trabalho, que tinha a música de Teixeirinha como carro-chefe,  rendeu um discos de ouro e um de platina.

Os versos passaram a ser entoados com fervor pela torcida do Grêmio durante os jogos da Libertadores e virou uma espécie de hino, impulsionando ainda mais as vendas. A identificação foi tamanha, que a dupla chegou a dar a volta no estádio Olímpico antes do jogo contra o Palmeiras, em 1995 pela Libertadores, regendo um coro de aproximadamente 65 mil pessoas. “O chão tremia. Foi uma coisa impressionante, vendo a torcida com as bandeirinhas cantando. Algo inesquecível na nossa trajetória” lembra Oswaldir.

A música já havia sido gravada no terceiro disco, Velha Gaita, dois anos antes, mas só estourou na segunda gravação. “Estávamos morando em São Paulo e fomos à casa de um amigo gaúcho. Ele tinha muitos discos, comecei a mexer na coleção e vi que havia vários do Teixeirinha. Quando escutei Querência Amada, lembrei que meu pai cantava. Bateu uma saudade. Disse que tínhamos que gravar com uma roupagem diferente. Era um xote fizemos um country e acabou estourando” recorda Magrão.

Além de Querência Amada e Tetinha, Oswaldir e Carlos Magrão emplacaram vários sucessos ao longo da trajetória. A maioria está no novo CD duplo lançado há cerca de um mês. Uma coletânea com 16 canções em cada um deles, divididas em músicas para ouvir e músicas para dançar. O CD faz parte de um kit comemorativo dos 32 anos de carreira, e vem acompanhado do DVD gravado em 2013, um camiseta e uma faca personalizada.

Um reduto nativista

Na metade da década de 80, a música nativista vivia seu apogeu  no Rio Grande do Sul, impulsionada pelos festivais. Oswaldir, que vinha de uma  cena mais rockeira, fazendo parte de grupos como os Rebeldes, Os Invencíveis e  Banda Um,  participou de algumas apresentações no grupo Raiz Nativa, no primeiro endereço do Krep´s Bar, na Bento Gonçalves, abaixo da avenida Brasil. Surpreso com a quantidade de público interessado naquele estilo de música e, atravessando um momento financeiro difícil, decidiu unir o útil ao agradável. Juntamente com um grupo de amigos, comprou a Pizzaria Antônio’s, na rua Capitão Eleutério, centro, e inaugurou o Recanto Nativo. Em pouco tempo, o bar se transformaria na maior referência da música nativista em Passo Fundo.

Pelo palco do Recanto passaram os maiores nomes da música gaúcha, entre eles, Daniel Torres, que fez o show de inauguração, César Passarinho, Dante Ramon Ledesma, Rui Biriva, Luís Carlos Borges, entre tantos outros.

O show de abertura ficava por conta de Oswaldir e Pedro Neves, até a chegada de Magrão, alguns meses depois.“O pessoal reclamava que faltava um gaiteiro na nossa formação com o Pedro. Quando voltávamos de Porto Alegre, após a gravação do clipe para o amigo Dutra, conheci o Magrão. Ele  disse que seu instrumento era a gaita, então o convidei  para tocar no bar. No dia seguinte, apareceu de bombacha e uma gaita verde, Todeschini nas costas. Foi nosso começo” conta.

Logo, Pedro Neves seguiu carreira solo. Oswaldir trocou o baixo pelo violão e, junto como Magrão, passaram a abrir a noite para os artistas contratados, sem imaginar que, em pouco tempo, eles seriam a atração principal.  

Natural de Campo Novo, região de Ijuí, Magrão chegou em Passo Fundo aos 17 anos. O jovem cabeludo também tinha um pé no rock e chegou a fazer parte do grupo Reflexo Som, antes de desembarcar de mala e cuia no nativismo.

No palco do bar de segunda a segunda, o trabalho da dupla foi amadurecendo. Interpretando um repertório formado basicamente por músicas conhecidas dos festivais da época e algumas latinas, o show de abertura  foi conquistando cada vez mais público até tornar-se a atração principal. “Teve uma noite em que o Borges, após um show dele, me chamou e disse, Oswaldir, vocês estão gastando dinheiro à toa, trazendo artistas de fora. O público vem aqui para ver vocês”.

As apresentações no bar seguiram por cerca e cinco anos, até que o palco do Recanto ficou pequeno para a dupla. A cobrança do público pela gravação do primeiro disco foi aumentando. Com ajuda financeira de amigos, em 1988 gravaram, pela Acit, Versos, Guitarra e Caminho,  e caíram na  estrada, a bordo de uma Caravan vermelha. Na primeira semana, após uma sequência de cinco shows em cidades catarinense, venderam aproximadamente 700 discos. Na segunda-feira seguinte, o empréstimo feito com os amigos para gravação estava quitado. Depois do primeiro LP, vieram outros 16 discos, até a coletânea atual.

“Oswaldir e a família dele me acolheram. Vivemos momentos inesquecíveis juntos. Somos compadres duas vezes. A carreira que construímos juntos não  será apagada. Vai ficar para a história da música gaúcha. Querência Amada está ao lado dos principais clássicos regionais gaúcho. Levamos ela para todo o Brasil. Temos uma amizade, um cuidado com o nosso trabalho, agradeço muito por tudo isso”revela Magrão.

Oswaldir define a parceria de 32 anos como 'maravilhosa'. “Tivemos momentos inesquecíveis. Algumas discussões normais, mas sempre prevaleceu o bom senso de ambos, como num casamento”.

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