Marina Colasanti diz que não escreve para satisfazer os outros

Aos 80 anos a escritora Marina Colasanti fala sobre sua literatura e sobre movimentos feministas

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Aos 80 anos, Marina Colasanti olha para um futuro e projeta seus próximos livrosAos 80 anos, Marina Colasanti olha para um futuro e projeta seus próximos livros
Aos 80 anos, Marina Colasanti olha para um futuro e projeta seus próximos livros
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Oito décadas de vida, com cerca de 50 livros publicados e mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Marina Colassanti é um dos grandes nomes da literatura brasileira. Nesta semana, desembarcou em Passo Fundo para participar da 16ª Jornada Nacional de Literatura. Em recente crônica, afirma que nunca imaginou chegar tão longe. “80 anos são uma tremenda esquina da vida”. A lucidez e o espírito de inquietação não deixam seu corpo, fazendo-a permanecer na ativa e já programar trabalhos futuros.

“As pessoas podem morrer aos 15, porém a probabilidade aumenta depois dos 80 anos. Eu não estou fazendo programas para longo prazo. Não tenho nenhum cachorro, por exemplo, porque eu não posso me comprometer com nenhuma criatura que eu vou cuidá-la, protege-la e amá-la e morrer e deixar ela órfã. Então não posso ter cachorro. Agora projeto de livros, ah isso o tempo inteiro”, aponta. Só neste ano já editou três livros e garante que vem um quarto por aí. Para o próximo ano já está com mais duas obras na editora para sair.

Ativista pela igualdade de gênero, Marina presenciou a transição do mundo analógico para o digital. Atualmente, se depara com um outro fenômeno: os blogueiros, youtubers e derivados. Nas prateleiras das livrarias, essas personalidades da internet vêm ganhando destaque. Nos três primeiros dias da 16ª Jornada Nacional de Literatura, Felipe Neto, Larissa Manoela, Lukas Marques e Daniel Molo estavam entre os mais vendidos.

O sucesso dos livros dessas celebridades da internet não perturba a escritora que possui, em sua biografia, obras para todas as idades. “Eu estou fazendo literatura. Os youtubers estão tentando fazer livros. É uma área completamente diferente. Eu quero fazer literatura. Eu trabalho buscando um discurso denso, de múltiplas possibilidades de interpretação, de riqueza formal, de riqueza verbal, aquilo que é a arte da palavra. Não tem nada a ver com o trabalho dos youtubers. Eles buscam a aceitação. Eu não estou buscando a aceitação. Eu estou buscando a minha aceitação em primeiro lugar. Eu tenho que procurar a minha voz interior. Eu nunca quis ou pretendi ser um best-seller. Eu não quero satisfazer os outros. Eu não escrevo para satisfazer os outros. A proposta é diferente”, pontua.

A página no Facebook, não é ela quem administra, mas sua assessoria. “Não acho que ter seguidores seja algo que me agrade. A palavra seguidor não me agrada. Que eu tenha leitores, ah isso me agrada de mais. E que os leitores se identifiquem com o que eu escrevo. Isso é finalidade do meu trabalho, mas seguidores não”, argumenta.

Movimentos feminista

Feminista desde os anos 1970, Marina participou do debate “Por elas: a arte canta a igualdade”, na quarta noite das Jornadas Literárias de 2017. Para ela, não houve uma evolução do século passado para os dias atuais quando o assunto é igualdade de gênero.

O discurso de agora não acrescenta àquele dos anos 1970, 1980, quando foi interrompido. Essa ruptura do discurso ocorreu depois de um encontro internacionais em que lideranças consideraram que o feminismo estava esgotado e que as militantes deveriam então migrar para outras causas, que fossem mais coletivas. 

“Só que no Brasil muitas questões não estavam resolvidas. Ainda assim houve, como se diz em relação às novelas, uma barriga. A questão caiu, não se falou mais nisso e agora as jovens estão retomando a questão e eu gostaria que elas estudassem um pouco mais para poder avançar. Porque eu ouço muita repetição do que já foi dito como se estivéssemos reinventando a roda. A roda já foi inventada desde o século XIX, então é importante estudar”, observa.

Esse estudo incluí as ciências humanas como sociologia, filosofia, história dos gêneros, do casamento e assim por diante. Já que, conforme a escritora, questões de gênero são amplas. “ Elas estão ligadas a produção, a economia, estão ligadas a luta pelo poder, estão ligadas a força muscular, estão ligadas a guerra, estão ligadas a tudo. Até a alimentação. Quem planta, quem colhe e quem cozinha”, acrescenta.

Essa necessidade de estudar mais o movimento feminista ratifica sua importância neste momento, sobretudo pela onda de conservadorismo. Marina Colasanti brinca que o Brasil é bom de onda e por isso tem tantos bons surfistas, em ambos sentidos da frase. Acaba por abordar o sentido figurado. “Há uma onda de conservadorismo alimentada por várias questões. O conservadorismo é sempre muito alimentado por crenças religiosas e há alternâncias entre quem chefia e quem comanda a cena do conservadorismo. A igreja católica passa por um momento de maior abertura, graças a orientação do Papa, mas temos as igrejas evangélicas muito conservadoras. Temos um agravante que hoje em dia todo mundo considera que tem direito a emitir opiniões. E que isso é muito democrático”, argumenta.

A autora defende que era mais democrático quando o direito de emitir opiniões era concedido pela qualidade e profundidade das ideias. “ Todo mundo falando cria-se uma polifonia desenfreada que encobre as opiniões mais interessantes e dá espaço a uma repetição que pode ser perigosa. A repetição do mesmo. A pedra que rola como uma avalanche: começa uma bolinha e vai rolando pelo moro e vai crescendo, crescendo, se alimentando da mesma neve. Do mesmo nada. Chega embaixo e esmaga coisas. O conservadorismo é muito isso” justifica. 

Sobre Marina

Além de falar de arte à política, Marina Colasanti é poeta, narradora, jornalista e tradutora. Nasceu em Asmara, na Eritréia, viveu em Tripoli, na Líbia, e, com o começo da II Guerra Mundial, a família regressou à Itália. Em 1948, transferiu-se definitivamente para o Brasil. Com formação em Artes Plásticas, ingressou em jornalismo e durante trinta anos trabalhou em jornais e revistas como redatora, editora e ilustradora. Teve destacada atuação nas questões de gênero, seja por meio dos seus artigos, que resultaram em quatro de seus livros, seja com participação direta como membro do Primeiro Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Foi publicitária, muitas vezes premiada. Trabalhou em diversos programas televisivos como âncora, apresentadora e roteirista.

Seu trabalho se destaca pela diversidade. Publicou mais de 50 livros, de contos, crônicas, poesia, ensaios e literatura infantil e juvenil. É considerada revitalizadora por excelência dos contos de fadas, reunidos recentemente em seu livro "Mais de 100 Histórias Maravilhosas". Traduziu para o português importantes obras da literatura universal. É sua própria ilustradora.

 

 

 

 

 

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