Onde artistas encontram abrigo

Há mais de dois anos de portas abertas, o Rito Espaço Coletivo tem atuado como um espaço fundamental para fomentar a cena cultural do município

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Quem passa e vê apenas por fora o pavilhão de número 900A, na Rua Aníbal Bilhar, até confunde a edificação com as tantas outras que existem por ali. Por dentro, no entanto, esse pavilhão em específico se transforma e, diferente daqueles que o rodeiam, foge da finalidade comercial. Fundado há pouco mais de dois anos, o Rito Espaço Coletivo tem servido como uma espécie de reduto cultural para os artistas da região. Desde sua estreia, já foram mais de 50 atividades culturais promovidas para a comunidade com preços acessíveis.

Com o chimarrão pronto e portas sempre abertas para quem quiser visitar, o espaço foge de formalidades e mais se parece com a sala de estar de um grupo de amigos. Talvez porque seja assim que ele tenha sido constituído: pelas mãos de um coletivo, que aos poucos deu vida para o frio do pavilhão. As paredes de tijolo à vista receberam tintas e quadros, os tetos serviram de apoio onde guarda-chuvas coloridos estão pendurados e, no chão, tapetes, sofás, mesas e cadeiras parecem chamar quem entra ali para ficar mais um pouco.

A cara de casa do espaço é justamente por ele ter surgido com esse intuito, mais especificamente para ser o lar do Grupo Ritornelo de Teatro. Formado em 2010 por um coletivo de artistas que trabalharam juntos no Grupo Viramundos, no ano de 2016, o Grupo Ritornelo se viu sem um espaço fixo para trabalhar, ensaiar e guardar equipamentos. “Nós tínhamos uma parceria com o IFIBE e eles nos cediam uma sala, mas em 2016 o instituto encerrou as atividades e locou o nosso espaço para outra instituição. Nos avisaram que em seis meses precisávamos tirar tudo de lá”, conta um dos atores do grupo, Miraldi Junior.

Acreditando na importância de um espaço para o grupo poder seguir ensaiando, aprofundando sua linguagem e constituindo sua identidade, o Ritornelo precisou procurar por um novo lugar. A oportunidade surgiu, finalmente, na metade de 2016, à convite da Fundação Lucas Araújo, que desejava contar com o trabalho do Grupo Ritornelo no Lar da Menina, um projeto que oferece atividades culturais e educativas para meninas carentes. “Como eles não tinham condições de nos pagar para oferecer aulas de teatro às alunas, o diretor da Fundação nos ofereceu esse pavilhão para ensaiarmos e termos nossa sede”, relata Miraldi. “Quando ele nos trouxe para conhecermos, nós vimos esse espaço enorme e nos encantamos, era perfeito para tudo que gostaríamos de fazer. Perguntamos ‘quando é que a gente assina o contrato?’”, ri.

Assim, em contrapartida à concessão do espaço, hoje eles oferecem oficinas de teatro para seis turmas do Lar da Menina, além de realizar intervenções artísticas e apresentações gratuitas periódicas nos dois abrigos de idosos que a Fundação Lucas Araújo também mantém.

Espírito colaborativo

Há anos na estrada vivenciando as dificuldades pelas quais passam os artistas devido à falta de incentivos e espaços de abrigo, quando o Grupo Ritornelo finalmente colocou as mãos nas chaves de um espaço próprio, eles imediatamente perceberam a necessidade de oferecer o que eles tinham para mais pessoas. “No primeiro ano, a gente usava mais para ensaios mesmo, mas assim que entramos nesse pavilhão a gente viu que, pela primeira vez, poderíamos ter um espaço para trabalhar e produzir e que pelo tamanho dele, talvez, não conseguíssemos dar conta sozinhos. Era pouca gente para um espaço tão grande e sempre tivemos parcerias com outros coletivos, então pensamos nessa ideia de que o Rito precisava ser um espaço coletivo em que artistas e iniciativas se agregassem ao espaço para somar”, Miraldi explica.

“Nós somos pessoas do interior e sabemos o quanto é difícil encontrar espaços menos mercantilizados, que receba projetos de gente que não aparece na mídia. Eu acho que esse foi um dos fatores para decidirmos formar um lugar onde todos podem usar e ajudar a criar. Nós estamos cientes da responsabilidade de, enquanto artistas, também abrir espaços e caminhos para mais pessoas. Colocar uma brecha em uma porta onde mais gente possa empurrar e fazer essa porta ir se abrindo”, explica um dos fundadores espaço e também ator do grupo, Guto Pasini.

A partir dessa percepção, o pavilhão foi fazendo jus ao nome de Rito Espaço Coletivo. Começou promovendo a Roda no Rito, um evento que reunia diversos músicos da região em um fim de tarde informal. Depois, passou a receber o Ensaio Aberto da Toca do Ratão, atividade que reúne especialmente bandas de rock para tocar som autoral. “Eu sinto que é algo que foi acontecendo, as coisas simplesmente foram se formando. Logo no começo, o Gabriel Selvage deu essa ideia de trazer mais músicos para fazer a Roda do Rito. Foi aí que o espaço começou a ficar conhecido, foram surgindo outros convidados, uma pessoa conhecia a outra e trazia para cá. A Toca do Ratão também aconteceu logo em seguida e trouxe um público diferente, mais rock ‘n roll. Os músicos começaram a conhecer a gente e a nos procurar quando precisavam de um espaço”, relata a atriz Jandara Rebelatto.

Hoje, já são quase 50 eventos na conta, sempre promovidos de maneira acessível – na maioria dos casos, o público contribui com a quantia que bem entender –, e uma série de parceiros que podem usar o espaço de maneira gratuita para ensaiar e fomentar outras atividades. Entre os coletivos e artistas, estão o Andorinhas, Núcleo Rindo À Toa, Teatro Depois da Chuva, Madame Frigidaire, Toca do Ratão e Nelson Ribeiro. “A gente também tem uma parceria com a Casa de Cultura Vaca Profana. Nós recebemos eventos quando não pode acontecer lá, eles recebem quando não pode acontecer aqui. O espaço deles supre coisas que nós não damos conta e vice-versa. Nós estamos na mesma luta, concorrência é um conceito que não se aplica à nossa realidade. Quem trabalha com arte, vê como uma soma. Porque a cultura não é algo que ocupa espaço nas pessoas, não é uma coisa que você consome em um lugar e pensa ‘pronto, agora estou cheio’. Pelo contrário, você vê e quer mais. Quanto mais eu vejo manifestações artísticas, mais eu procuro outros espaços para ver também”, defende Guto.

Planos para o espaço

Sentados espalhados pelos sofás e tapetes do Rito, os artistas Jandara, Miraldi e Guto olham para o espaço com olhos brilhantes enquanto pensam nos planos que têm para o futuro. “Eu acho que o papel do Rito é fomentar, movimentar, instigar manifestações artísticas. Nós somos um espaço alternativo e não convencional, que tenta promover um acesso mais amplo à arte abrigar essas manifestações. Queremos algo que fuja do comercial e alcance mais pessoas, por isso estamos tentando montar uma programação mais regular, mais movimentada”,  conta Jandara. “Eu acho que o nosso principal objetivo é contribuir para a pluralidade cultural do município”, complementa Guto.

Nas palavras de Miraldi, esse desejo de levar a novos públicos está ligado também à intenção de descontruir a visão do teatro como uma coisa burguesa. “A gente tem o hábito de entender que cultura é uma coisa refinada, quando na verdade é só uma forma de passar sentimento e emoção, ela é simples. Nós estamos acostumados a ver o teatro como uma coisa elitizada, com palcos grandes, bonitos, cortinas de veludo... Aqui é ao contrário, é mais informal, simples, portões abertos, passando o chapéu para contribuição espontânea. Mesmo quando a gente cobra ingresso, tem moradores daqui que vêm assistir e sabemos que eles não têm condições de pagar, então deixamos passar, não cobramos, porque provavelmente essas pessoas nunca teriam acesso a uma atração como essas se não fosse aqui. É importante essas pessoas verem as coisas, a gente acredita nisso, que o teatro é para todos. Por isso estamos sempre abertos”, defende.

“Agora estamos estudando a possibilidade de receber o projeto Dandô também. É uma iniciativa em que, a cada dois meses, um anfitrião recebe um músico não tão ligado a esse cenário mercadológico. Mas a gente fica meio receoso pela questão dos custos. O espaço ainda não se paga, precisaríamos de 80 a 100 pessoas em cada atividade para conseguir pagar tudo e sabemos que nem sempre o nosso público chega a esse número, temos dificuldades financeiras... Mas acho que vai sair do papel. Com o projeto Dandô, receberemos músicos maravilhosos”, adianta Miraldi.

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