Em cima do palco, um jovem escritor pessimista arruma, pela milésima vez, as caixas de uma mudança que nunca irá fazer. Enquanto executa uma tarefa para a qual não vê mais sentido algum, ele reflete sobre questões como a vida, o significado de estar vivo, história, ideias e insônia. Descrito como um antifilósofo, o personagem é o centro da peça “Sobre estar vivo”, que será apresentada pelo grupo de teatro independente Madame Frigidaire na noite deste sábado (6), no Teatro Municipal Múcio de Castro.
A peça é baseada na obra do filósofo romeno Emil Cioran, considerado um dos pensadores mais obscuros e pessimistas da história, e foi criada graças à admiração que o fundador do Madame Frigidaire, Lucas Quoos, sente pelo filósofo desde o primeiro contato que teve com seus escritos. “Acabei criando uma relação emocional”, admite. “A adaptação ficou um pouco engraçada. Não aquela graça de gargalhar, mas a situação é cômica. Quis colocar o Cioran nessa situação para ver no que dava. Não é um tratado sobre sua obra, está mais para um diálogo entre um leitor que não se vê como pessimista e o autor que se diz ser o maior pessimista da história. Acho que sua obra é cheia de ‘nãos’, mas não vejo negatividade. É um não que é afirmativo, como um tapa de luva, só pra gente se ligar um pouquinho. Cioran é um estilista, a obra dele é inseparável do estilo, é um dos escritores mais belos que já tive contato”, explica.
O espetáculo já foi apresentado cerca de cinco vezes, mas sempre em locais alternativos. Essa é a primeira vez que o pessimismo de Cioran, interpretado por Lucas, ganha o palco de um teatro tradicional. É ele quem escreve, dirige e encena. Um processo solitário que pode ser interpretado como pretensão, mas que na verdade não passa da falta de recursos, já que o grupo não conta com apoiadores fixos, conforme conta o artista. “Fico achando que vão pensar que me acho bom demais para ter um diretor. Na verdade, não é nada disso. Apenas não tenho dinheiro para pagar um e muito menos tempo para me reunir com um. Eu dou aulas pra sobreviver. Então, durante as noites/madrugadas eu crio, anoto, gravo, refaço, repenso”. Uma solidão que, paradoxalmente, serve a Lucas tanto de companheira, quanto de inspiração. “Eu gosto. No texto, o personagem diz que ‘a obrigação de um solitário é ser cada vez mais só’. Espero que as pessoas se identifiquem, mas são minhas angústias que estão ali”, revela.
Arte para além do entretenimento
A simplicidade da montagem, com um ar de improviso, é própria do Madame Frigidaire. Criado em 2016 pelas mãos de jovens pouco experientes – Lucas era o único integrante que já havia trabalhado com teatro –, o grupo passo-fundense leva a arte dos palcos como um constante processo de criação e experimentação. “Quando conheci a Manuela Zamprogna e a Emily Barbosa [que ajudaram a fundar o grupo], acho que deixei escapar minha vontade de criar um grupo de teatro e elas se identificaram. Foi um encontro, uma pequena troca de palavras e pronto: decidíamos criar um grupo. Éramos jovens sensíveis, apaixonados por arte e com algum encanto inexplicável causado por esse encontro (acho que ainda somos assim)”, lembra com carinho.
Como é natural para o processo de viver, ao longo do tempo, algumas mudanças aconteceram e fizeram com que o grupo perdesse grande parte dos seus membros, que foram morar em outros estados, atrás de outros sonhos. Hoje, seguem no grupo apenas Lucas Quoos e Isadora Stentzler. Imprevistos que, nitidamente, não os fizeram parar de criar e interpretar. “E em breve temos algumas novidades”, adianta. “Acho que a amizade criada nesse tempo foi uma das coisas mais lindas que já vivi. Não vou nem tentar discorrer sobre o quanto uma relação que girava em torno da arte e da vontade de criar em conjunto é especial, mas acho que a amizade tem uma grande parcela de responsabilidade na nossa história, como artistas e como grupo. Essa relação de horizontalidade, sinceridade, afeto e admiração mútua, em tempos como os de hoje onde o fascismo e a violência têm sido abertamente declarados, onde há ódio e ele é legitimado pelas autoridades que deviam dar o exemplo, faz com que a amizade seja uma arma extremamente necessária”.
Sempre com o intuito de criar novas linguagens e superar o lugar da arte como mero entretenimento – “nada contra quem vive disso, mas hoje nós não sabemos se conseguiríamos, não de forma completa”, Lucas justifica –, o que menos importa para o Madame Frigidaire atualmente é a formalidade de uma sede para ensaiar. As primeiras criações surgiram em encontros entre os amigos que integravam o grupo. Depois, ganharam abrigo no Rito Espaço Coletivo, para em seguida passarem a acontecer em uma pequena sala de madeira da casa de uma das integrantes. “Este ano, perdemos a nossa ‘sede’ improvisada e vamos ensaiando onde dá. Agora, estou morando em Soledade e temos ensaiado por aqui. Mas tudo depende. A gente sempre dá um jeito. O legal do teatro é que ele só precisa de gente e vontade”.
Serviço
O que: Peça “Sobre estar vivo”
Quando: Sábado, 6 de abril, 20h
Onde: Teatro Municipal Múcio de Castro
Quanto: R$ 20, no local