Os corredores estreitos carregados de poesia sustentam o pisar manso daqueles que, com o olhar demorado e a sensibilidade do toque, percorrem as fileiras construídas com palavras de um dos apenas dois sebos presentes na Capital Nacional da Literatura.
É na sala de paredes vermelhas, no coração da Avenida Sete de Setembro, que os leitores se despedem da agitação para um encontro com Saramago, Clarice Lispector, Érico Veríssimo e com mais de 10 mil exemplares literários disponíveis para venda ou troca. O sebo, cuja vitrine se aperta entre dois outros estabelecimentos, serve, há 10 anos, de morada aos livros que acabaram de sair da editora, mas sobretudo, àqueles que já passaram por diferentes lares e reúnem-se, ali, à espera que uma nova mão que os leve para outro local.
Quase escondido pelas pilhas de histórias que se amontam nas prateleiras horizontais, o proprietário do sebo e presidente da Associação dos Livreiros de Passo Fundo, Leonardo Arbter, concentra-se na contagem de quantas livrarias ainda permanacem na cidade. “Acredito que exista umas 10. Você sabe, livraria não é necessidade básica”, lamenta. Entre os títulos queridinhos pelo público local, ele cita os escritos de psicologia, romance e literatura clássica escolhidos por aficcionados pela leitura em busca de uma nova realidade, ainda que inventada, para habitar até a última frase terminar. “Temos aqui livros de variam desde R$ 5 até os preços tabelados pelas editoras”, atesta.
Em tempos de e-books, as páginas amareladas com trechos sublinhados, daquelas com manchas de café e que, eventualmente, provocam espirros, ainda permanecem na rotina literária da advogada Cassiana Trentin. Ela adentra o espaço do sebo com duas sacolas nos ombros e uma euforia de quem sabe que certas coisas não têm preço, têm valor. Recepcionada pela coleção completa de Jorge Amado, ainda impressa em capa dura e posicionada em destaque na loja, ela doa a Arbter obras literárias da coleção pessoal para serem anexadas aos inúmeros títulos já disponíveis ali. “Meu pai vem aqui para doar livros e é um costume que eu já mantenho porque a leitura é importante. A gente não pode descartar, jogar fora, porque sempre vai ter alguém que vai aproveitar”, menciona.
As obras literárias, no entanto, não garantem ao proprietário o giro financeiro mensal. As capas compartilham espaço com CD's, DVD'S e discos de vinil. “Os de rock são os mais procurados”, responde Leonardo.
Mencionando nominalmente todas as livrarias que fecharam as portas nos últimos anos, em Passo Fundo, ele atribui à internet a diminuição no fluxo de leitores que preferem comprar os livros nos espaços físicos. “Tu pode até comprar pela internet, mas depois não pode reclamar que não tem livraria na cidade”, dispara.
Feiras itinerantes
O cenário, porém, reflete uma realidade habitual do brasileiro. A última pesquisa divulgada na 4ª edição dos “Retratos da Leitura no Brasil”, em 2016, aponta que 30% da população nacional jamais comprou um livro. E, embora os sebos se mantenham como uma alternativa viável aos preços estipulados pelo mercado editorial, o também presidente da Associação dos Livreiros conta que algumas iniciativas desenvolvidas na cidade sede da Jornada Nacional de Literatura buscam expandir o imaginário pessoal. “As pessoas precisam de um incentivo para ler”, pondera.
Dos estudantes aos solitários que transformam os personagens descritos nas páginas em companhia, Leonardo afirma que uma iniciativa a ser implementada em breve no município levará as histórias literárias aos bairros de Passo Fundo. “O primeiro será o São José”, confessa. As feiras itinerantes percorrerá as localidades como incentivo à leitura e a democratização no acesso aos títulos para que, assim como o Dom Quixote, de Cervantes, a literatura seja ponto de partida para desventuras errantes.